Sábado, 12 de outubro de 2024

A criação de uma cesta básica nacional com imposto zero vai reduzir em R$ 70 bilhões a arrecadação do governo federal, Estados e municípios

A criação de uma cesta básica nacional com imposto zero, como propõe o projeto de reforma tributária discutido no Senado, vai reduzir em R$ 70 bilhões a arrecadação de União, Estados e municípios – e beneficiar mais os ricos que os pobres. Essa é a conclusão de uma análise técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), que foi entregue ao relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma, senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Do total da perda de arrecadação, apenas R$ 4,5 bilhões, o equivalente a 6,4%, seriam apropriados pelos 10% mais pobres da população do País, aponta o estudo. Já os 10% mais ricos se apropriariam de R$ 13,4 bilhões, o que representa 19,1% do benefício.

A Corte de contas também destaca que a “complexidade de fiscalização dos itens isentos, além das disputas judiciais junto ao fisco para inclusão de itens, traria maiores custos administrativos para todo o Estado”.

A reforma em discussão no Senado prevê alíquota zero do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado, que vai substituir os tributos atuais) para uma cesta básica nacional, que só terá os itens definidos por meio de lei complementar. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) divulgou uma lista com 37 produtos, que deve servir de base para a discussão.

Em nota, a Abras afirmou ao Estadão que realizará um novo estudo para analisar o impacto da proposta de tributação do IVA sobre os itens da cesta básica. O presidente da associação, João Galassi, estimou, porém, que o fim da isenção pode levar a um aumento médio da carga tributária, sobre os itens da cesta, superior a 120% – chegando a mais de 300% em alguns estados.

Bolsa Família e Cashback

Na avaliação do tribunal, o benefício teria maior efeito distributivo se fosse direcionado ao programa Bolsa Família ou a um sistema de “cashback” que previsse a devolução de parte do tributo ao consumidor de baixa renda.

Esse último mecanismo foi defendido pelo secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, mas encontra resistências dentro do Congresso. O dispositivo consta no texto aprovado pela Câmara, mas sem nenhum detalhamento – teria de ser regulamentado por lei complementar.

O TCU calcula que os efeitos negativos da taxação da cesta básica poderiam ser eliminados a partir de um reforço de R$ 40 bilhões no Bolsa Família, o que representaria um aumento de 24% na verba do programa. “O custo operacional seria mínimo, uma vez que a transferência de renda já é operacionalizada e tem toda a estrutura necessária para sua execução”, destaca o relatório.

Uma solução via cashback também teria custo equivalente a R$ 40 bilhões, na avaliação do TCU. Os técnicos destacam que não há estudos que estimem o custo operacional desse sistema, mas que haveria a contrapartida de fomento à formalização da cadeia, um pré-requisito para a efetiva devolução do imposto ao consumidor.

”O cashback da tributação sobre consumo é uma possível boa resposta a um problema que o TCU apontou recentemente, quando comparou a desoneração da cesta básica ao Bolsa Família. Enquanto o Bolsa Família ensejou uma redução de 1,7% na desigualdade de renda, no caso da desoneração da cesta a redução foi de apenas 0,1%”, disse ao Estadão o presidente do TCU, Bruno Dantas.

“Curioso que à época, em 2019, os dois tinham custos muito parecidos, da ordem de R$ 30 bilhões. O Bolsa Família é quase 20 vezes mais efetivo do que a desoneração da cesta básica”, afirmou Dantas.

O documento da Corte de contas diz ainda que “a solução permite maior focalização, tanto pelos dados cadastrais do Cadastro Único, como por avaliação dos padrões de gasto no consumo de produtos da cesta básica”, diz o texto.

Os R$ 30 bilhões “restantes” – já que essas medidas teriam impacto de R$ 40 bilhões ante R$ 70 bilhões da desoneração total – poderiam ser utilizados em programas ligados à insegurança alimentar e que são focados nas famílias mais pobres, afirma o tribunal. “Cita-se, especialmente, o PNAE, que garante a alimentação escolar para crianças e adolescentes de escolas públicas de todo o Brasil”, sugere o relatório.

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