Terça-feira, 17 de junho de 2025

A falta de informação sobre a dimensão econômica da agricultura, principal responsável pelo crescimento do PIB brasileiro nos últimos anos, no Enem

Questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano que foram criticadas por retratar o agronegócio de forma negativa levantam o debate sobre como o tema aparece em sala de aula. Para especialistas, as perguntas podem refletir a falta de informação sobre a dimensão econômica da agricultura, principal responsável pelo crescimento do PIB brasileiro nos últimos anos. Também revelam a polarização política, que estigmatiza tanto o setor do agro quanto o pequeno produtor. Por outro lado, expõem a dificuldade de tratar temas socioambientais de forma crítica, necessidade reforçada pela crise climática, mas sem generalizações e preconceitos.

No 1.º dia do Enem, um dos textos dizia que, no Cerrado, o “conhecimento local” está subordinado “à lógica do agronegócio” e o “capital impõe conhecimentos biotecnológicos”, com efeitos negativos à população do campo. A pergunta foi criticada por economistas e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) pediu a anulação dessa e de mais duas questões, que tratam da nova corrida espacial financiada por bilionários e da produção de soja e sua consequência para o desmate da Amazônia.

A anulação foi descartada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável pelo exame. O presidente do Inep, Manuel Palácios, negou o pedido de anulação por viés “ideológico”, disse que os itens foram elaborados por professores externos ao governo e selecionados em gestões passadas.

“O aluno precisa valorizar a agricultura familiar, mas também a venda do café na Bolsa de Valores. O agro é tudo isso”, diz Claudia Passador, professora e pesquisadora de políticas públicas em educação básica da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP em Ribeirão Preto.

Entre as soluções para evitar estereótipos e reducionismos, sugeridas por especialistas, estão aprimorar a formação docente, aprofundar o conhecimento de educadores sobre o mundo rural e diversificar as fontes de informação.

No segundo dia do Enem, as questões de Química e Física voltaram a abordar temas ligados ao setor agrícola. Mas, de acordo com especialistas, as perguntas não traziam críticas diretas. O Enem chamou a atenção para o tema, mas isso já era motivo de polêmica.

Livros didáticos

Uma das iniciativas do setor foi a criação recente de uma associação, a De Olho no Material Escolar, depois de mães ligadas à área observarem os livros dos filhos na pandemia. O grupo encomendou este ano à Fundação Instituto de Administração (FIA), ligada à USP, estudo que analisasse o conteúdo de materiais didáticos utilizados na educação básica.

Os pesquisadores encontraram 345 citações ao agro em 94 livros didáticos analisados. Dessas, 126 foram classificadas como neutras, 123 como negativas, 52 como positivas. Houve ainda 37 exercícios ou textos das obras entendidos como fortemente negativos ao setor e 7, como fortemente positivos. Segundo a presidente da associação, Letícia Jacinto, o resultado preocupa. “Os autores de livros são bombardeados por mensagens de preconceito e não vão a fundo no conhecimento. Ninguém é obrigado a conhecer a pujança do Cerrado, mas é preciso usar fontes científicas para falar.”

Entre as atividades nos livros destacadas pelo estudo como negativas estão questões que falam de trabalho escravo e agrotóxicos. Na associação, foi criada a Agroteca, biblioteca virtual com materiais sobre o assunto. Eles ressaltam a alta participação do setor no PIB do País (27%) e têm vídeos que dizem que a pecuária “não é culpada pelas mudanças climáticas e, sim, faz parte da solução”.

Sem censura

Responsável pelo Laboratório de Ensino e Material Didático de Geografia na USP, Eduardo Girotto afirma que a questão agrária é um tema clássico nos currículos da disciplina. E diz que os materiais e a formação dos professores hoje “têm abordagens das mais diferentes possíveis, com leitura mais enviesada ao agronegócio ou à agricultura camponesa”.

Girotto teme que as críticas levem à censura e fortaleçam movimentos como o Escola sem Partido, que defendem não tratar temas como gênero e sexualidade. “Desconfio da estratégia de ter incidência sobre o currículo escolar, algo quase ufanista, que diz que o agronegócio é a salvação e fazer qualquer crítica é jogar contra o País. Isso é um equívoco.”

Na prática, um desafio para educadores é avaliar as fontes e materiais para não propagar conteúdo sem evidências científicas sólidas, com negacionismo climático, nem privilegiar materiais enviesados ou ultrapassados. Ou, em certos casos, cuidar para que haja equilíbrio nas visões de mundo oferecidas ao aluno, de modo que ele tenha autonomia para tirar suas conclusões.

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