Quinta-feira, 26 de junho de 2025

A fragilização dos laços comunitários

Nas primeiras décadas do século XX, o reformador social americano L.J. Hanifan cunhou o termo “capital social” para descrever um conjunto de elementos invisíveis, porém essenciais, que sustentam a vida em comunidade: boa vontade, camaradagem, simpatia e relações sociais saudáveis. Décadas depois, o sociólogo francês Pierre Bourdieu ampliaria e criticaria esse conceito, mostrando como o capital social também pode reproduzir desigualdades, sendo um recurso acumulável, detido de forma desigual entre os grupos sociais. Mas, apesar das abordagens distintas, ambos apontavam para uma mesma direção: a centralidade das relações interpessoais como cimento da vida social. É na complexa e imensa trama de relações interpessoais que o caráter e o condicionamento social encontram seu principal motor.

Hoje, no entanto, somos testemunhas de um fenômeno preocupante: o visível declínio do capital social em nossas sociedades. As cidades tornam-se mais densas, muitas delas inchadas sem a necessária infraestrutura, mas os vínculos entre as pessoas tornam-se mais rarefeitos. Há uma crescente indiferença em relação aos vizinhos, aos amigos e, sobretudo, aos assuntos públicos. A lógica do “cada um por si”, impulsionada por estilos de vida individualistas e em muitos casos pelo avanço das tecnologias digitais e por uma cultura de hipercompetição, tem corroído aquilo que nos une: a confiança mútua, a cooperação espontânea e o sentimento de pertencimento. Uma sociedade na qual os laços de solidariedade se fragilizam, abre espaço para a alienação e ausência de empatia, elementos que impedem maior harmonia entre as pessoas.

Este esgarçamento dos laços sociais não é apenas uma perda afetiva ou moral; ele carrega riscos concretos para a coesão social e para o funcionamento da democracia. Sociedades com baixo capital social tendem a experimentar maior isolamento, aumento dos transtornos mentais, crescimento da violência urbana e diminuição da capacidade de mobilização cívica. A confiança nas instituições públicas se deteriora, os canais de participação política se enfraquecem e a intolerância ganha espaço. Em vez de comunidades solidárias, criam-se bolhas de desconfiança e hostilidade, conforme tristemente hoje se constata em várias partes do mundo.

O declínio do capital social também tem consequências econômicas. Ambientes com baixa cooperação e alto nível de desconfiança entre cidadãos tendem a ser menos inovadores, menos produtivos e mais suscetíveis a crises. Afinal, como mostram estudos recentes, a prosperidade de longo prazo de uma sociedade está diretamente ligada à qualidade de suas redes sociais e institucionais, esteios para a necessária vitalidade do espírito empreendedor.

É verdade que a tecnologia nos conecta de maneiras antes impensáveis, mas paradoxalmente nos distancia fisicamente uns dos outros. Substituímos conversas de calçada por interações em redes sociais. Trocas antes espontâneas passaram a ser mediadas por algoritmos que reforçam bolhas de opinião e o isolamento cognitivo. Esse isolamento tem se tornado ainda mais crítico quando afeta crianças e adolescentes, assunto que vem chamando cada vez mais atenção.

Reconstruir o capital social exige um esforço coletivo. Passa pela revalorização de práticas simples, mas fundamentais: participar de associações de bairro, conhecer os vizinhos, valorizar os espaços públicos, estimular o voluntariado e fortalecer as instituições locais. Também é papel dos governos incentivar políticas que promovam o convívio comunitário, combatam a desigualdade e ampliem os espaços de participação democrática.

Se queremos evitar um futuro de fragmentação social, é preciso reconhecer que o capital social é um bem público que demanda cuidado, atenção e investimento. A construção de uma sociedade mais justa e resiliente começa nas pequenas relações do cotidiano. Sem tais relações, o perigo do individualismo e da alienação se tornam causa e efeito de um problema que deve ser enfrentado por toda a sociedade.

(Instagram: @edsonbundchen)

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