Sábado, 01 de novembro de 2025

A incoerência energética brasileira às vésperas da COP30

Faltando poucos dias para a COP30, que será realizada em Belém (PA), o Brasil dá sinais preocupantes de que ainda não entendeu o papel que precisa desempenhar na transição energética global. Em 30 de outubro, o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória 1304, que, entre outros pontos, prorroga benefícios para usinas a carvão e gás fóssil até 2040. No mesmo mês, a Petrobras iniciou a perfuração de um poço de petróleo na Foz do Amazonas, no exato dia em que recebeu a licença do Ibama. A mensagem é clara: o discurso é verde, mas a prática é cinza – ou melhor, preta de petróleo e carvão.

Enquanto isso, a energia solar nos telhados de escolas, hospitais, residências, propriedades rurais e empresas quase foi vetada. A MP 1304 só não impôs novas cobranças à geração distribuída graças à mobilização de entidades, ativistas e parlamentares atentos. Mas o risco permanece. A geração distribuída – modelo em que consumidores produzem sua própria energia, geralmente por meio de painéis solares – é a base de uma transição energética justa. Ela descentraliza o poder energético, reduz perdas na transmissão e democratiza o acesso à energia limpa.

É hipocrisia que tecnocratas e oligopolistas tentem travar essa disrupção tecnológica. A geração de energia dentro das cidades, nos telhados e fachadas, é uma revolução inevitável. Mas, em vez de investir nessa modernização, o país continua despejando bilhões em energia poluente. O megawatt-hora gerado por térmicas a carvão pode custar até R$ 600, enquanto o custo médio da energia no mercado regulado gira em torno de R$ 200. Essa diferença que somam bilhões de reais poderia ser usada para modernizar a rede de distribuição elétrica.

Hoje, a rede brasileira é arcaica e unidirecional, projetada nas décadas de 1960 e 1970, quando o modelo centralizado era a única opção. É como se estivéssemos tentando trafegar veículos de hoje em estradas de terra feitas para carroças. Assim como as rodovias evoluíram para suportar veículos modernos, a rede elétrica precisa se tornar bidirecional, inteligente e resiliente. Isso significa permitir que cada residência, empresa ou órgão público possa gerar, armazenar e compartilhar energia com a rede.

Com o avanço de sensores, medidores inteligentes, sistemas solares e inteligência artificial, as chamadas redes inteligentes (smart grids) e microrredes são o próximo passo. Elas trazem mais segurança, reduzem perdas e evitam investimentos públicos desnecessários. Nos grandes centros urbanos, onde um apagão pode desestabilizar a ordem social, essa modernização é urgente.

A COP30 terá como um de seus eixos centrais a transição energética. E não há transição justa sem geração distribuída. Essa tecnologia é protagonista porque rompe com o modelo concentrador e poluente. Os debates em Belém não podem se render a narrativas falsas de que energia solar é privilégio de ricos. Quem vive de subsídios são justamente os que tentam barrar o avanço da energia descarbonizada, descentralizada, democratizada e acessível.

O Brasil precisa alinhar seu discurso à prática. Se quisermos ser protagonistas na diplomacia climática, não podemos continuar aprovando medidas que nos prendem ao passado. A geração distribuída é a chance de transformar o país em uma potência energética sustentável, com inclusão social e inovação.

Como cidadão engajado na transição energética, acredito que ainda há tempo para corrigirmos o rumo. A COP30 pode ser o ponto de virada – desde que tenhamos coragem de enfrentar os interesses que nos mantêm no atraso. O futuro é solar, distribuído e inteligente. E ele começa agora.

(Renato Zimmermann – Desenvolvedor de Negócios Sustentáveis e Ativista pela Transição Energética)

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