Quarta-feira, 31 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 30 de dezembro de 2025
Uma faixa-bônus assinada por Paul McCartney, tão barulhenta quanto silenciosa na reedição do álbum em vinil do álbum Is this what we want?, é um dos mais emblemáticos protestos contra o uso de inteligência artificial (IA) na música.
A faixa de 2 minutos e 45 segundos não traz nenhum acorde, mas, por outro lado, expõe uma infinidade de ruídos de músicos e cantores, entre eles, Annie Lennox, Damon Albarn e Jamiroquai, em estúdios e salas de concerto. Um protesto, assim como já ocorreu nas demais faixas de Is this what we want?, contra o uso de IA na criação de novas composições – as ferramentas se alimentam de um banco de canções feitas ao longo dos anos por McCartney, Lennon, Presley, Hendrix, Joplin, Mancini, Chopin, Dylan, Mercury, Porter, Jobim, Nascimento e outros tantos compositores geniais que já fizeram música no planeta.
O que McCartney e outros artistas como Dua Lipa, Elton John e Kate Bush querem barrar é uma mudança da lei de direitos autorais proposta pelo governo britânico que autoriza as empresas de inteligência artificial a usar músicas, performances e vozes de cantores sem pedir autorização aos detentores dos direitos autorais.
Em novembro, a indústria musical alemã obteve importante vitória contra a OpenAI, a gigante americana de pesquisa de inteligência artificial. A ação foi ajuizada pela sociedade alemã de gestão coletiva de direitos autorais musicais (Gema), que conseguiu provar que o ChatGPT usou letras de músicas dos representados pela associação para treinar seus sistemas de inteligência artificial, sem licença e sem pagar nada aos autores.
A OpenAI, por sua vez, argumentou que seus modelos linguísticos não armazenam, nem copiam dados específicos, apenas refletem em seus ajustes o que aprenderam.
A ação mostra o tamanho do problema, que vem sendo acompanhado de maneira global pela Confederação Internacional de Editores Musicais, uma organização com sede em Bruxelas, que já manifestou incômodo pela forma como a música produzida no mundo é absorvida pelas ferramentas de IA sem respeitar os direitos autorais.
No mesmo mês, as três principais gravadoras do mundo, Universal Music Group NV, Sony Music e Warner Music Group Corp., anunciaram um acordo com uma startup de música chamada Klay, que está construindo um serviço de streaming que permitirá aos usuários recriar músicas usando ferramentas de inteligência artificial.
Klay licenciou os direitos de milhares de músicas de sucesso para que possa treinar seu grande modelo de linguagem. O acordo é uma ameaça justamente aos direitos e às obras de compositores, músicos e intérpretes, o que torna o debate sobre o uso da IA na música bastante ainda mais urgente.
No Brasil, o tema também gera preocupação nos criadores de música. Em entrevista em agosto, o cantor e compositor Caetano Veloso falou sobre ao tema ao ser questionado o que ele achava de uma canção ser criada por meio de IA utilizando elementos de suas composições. Caetano se disse “assustado” e defendeu a aprovação de leis para regulamentar o uso de ferramentas de inteligência artificial na música.
“Uma situação complexa em que as empresas de IA estão usando as criações artísticas para seu ‘aprendizado’, revertendo esse conhecimento em resultado financeiro, sem reconhecer a autoria e descontar os direitos autorais. É grave”, disse, reconhecendo ser uma “tema urgente”.
Em novembro, Caetano se uniu às cantoras Marisa Monte e Marina Sena na campanha “Toda criação tem dono. Quem usa, paga”, promovida pela União Brasileira de Compositores (UBC) e a Pró-Música Brasil. O movimento pede um marco regulatório que garanta os direitos autorais de compositores, músicos e cantores diante do avanço do uso da IA.
Há uma luz no fim do túnel. A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovou, em 19 de dezembro, um projeto de lei que passa a exigir a autorização prévia para o uso de imagem ou de obras musicais em sistemas de inteligência artificial. O projeto, que, se for aprovado, altera o Código Civil e a Lei de Direitos Autorais. Com informações do portal Estadão.