Sábado, 16 de agosto de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 16 de agosto de 2025
As plataformas de mídias sociais revolucionaram o mercado da publicidade. Atualmente, vivemos uma cibercultura. Para Pierre Lévy (1999, p.17), a cibercultura significa o “[…] conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço.” [1]
Diante da cibercultura, completamente disseminada em nossa sociedade, o mercado da publicidade e propaganda segue em constante transformação, desenvolvendo-se com novos usos e costumes, em que é necessário que os envolvidos conheçam seus direitos com mais profundidade para não violar nenhuma regra existente e para reivindicarem a remuneração e visibilidade merecidas.
O vídeo do influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, foi um fenômeno no que tange à conscientização social: explicou didaticamente para milhões de pessoas o absurdo da adultização e, pior ainda, da erotização de crianças exploradas por adultos na Surface Web, ou seja, nas redes sociais, com fins comerciais, ou seja, com objetivo de monetização.
Apesar de o assunto ter viralizado nos últimos dias, a discussão não é recente. Segundo uma pesquisa feita pela empresa britânica Nominet, já em 2017, pais e responsáveis publicavam online, por ano, cerca de 195 fotos de seus filhos. Antes de completarem cinco anos, essas crianças já tinham em média quase mil fotos suas postadas na internet. Além disso, outra pesquisa apontou que 50% das imagens difundidas em fóruns destinados à pedofilia foram inicialmente publicadas pelos próprios pais, muitas vezes de forma não intencional, em outras plataformas.
No Brasil, crianças e adolescentes menores de 16 anos, consoante art. 3º do Código Civil [2], são considerados pela lei absolutamente incapazes, razão pela qual não detém capacidade jurídica e precisam de um representante legal para tomar as decisões de sua vida civil, inclusive referentes às suas relações comerciais e o uso de sua imagem e voz, direitos constitucionais personalíssimos.
Os responsáveis por estes menores, por força do Código Civil, são os seus genitores, o guardião, os adotantes, curadores ou tutores legalmente constituídos. Para o caso de genitores separados ou divorciados, o responsável será o guardião do menor, art. 1.583, §1º Código Civil [3].
Segundo as regras das próprias plataformas, crianças não podem criar perfis em redes sociais antes dos 13 anos e, como dito, no Brasil eles não detêm total capacidade jurídica para gerir sua vida até completarem 18 anos ou serem emancipadas. Logo, a exposição de imagem e voz de crianças, principalmente se houver fins comerciais, deve ser regulada também pelo Poder Público, considerando os direitos delas, por vezes, ficarem em segundo plano em virtude dos interesses da monetização realizada nos perfis onde a imagem da criança é explorada.
Tramita na Câmara dos Deputados o PL nº 3.444/2023, que “define a atividade de influência em meio eletrônico, altera a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 para impor a necessidade de autorização judicial para participação de crianças em gravações audiovisuais a título oneroso, estabelece regras relativas à publicidade e uso de imagem e obrigações para agentes e provedores digitais”.
O PL nº 2.259/2022 visa estabelecer regras para o exercício da atividade de influenciador digital mirim, enquanto o PL nº 3066/22 pretende alterar o Estatuto da Criança e Adolescente para prever como crime a superexposição nociva nas redes sociais e páginas de internet. Existe o PL mº 2628/2022, que trata da proteção de crianças no ambiente digital, com a ampliação de penas, trazendo regulação para as plataformas digitais.
Especificamente em razão do vídeo do influenciador Felca, no último dia 11 de agosto de 2025, foi apresentado na Câmara mais um projeto de Lei, pela deputada Talíria Petrone, onde constam deveres às plataformas digitais como detecção e bloqueio preventivo, suspensão imediata de monetização, interrupção de transmissões ao vivo e comunicação direta com Conselhos Tutelares.
Além disso, o projeto determina que o uso da imagem e da voz de menores de idade seja considerado trabalho infantil artístico, submetendo-se às normas do setor e demais legislações existentes.
A repercussão do vídeo do influenciador Felipe Bressanim felizmente tráz luz e repercussão ao tema, fazendo com que o clamor social acelere as análises e votações de todos estes projetos, considerando a vulnerabilidade das crianças, seres humanos em formação e a necessidade de proteção dos menores frente ao avanço da sociedade da comunicação e das plataformas digitais.
Notas:
[1] LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. Ed. São Paulo: Editora 34, 1999.
[2] Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos
[3] Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua ( art. 1.584, § 5 o ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
Letícia Soster Arrosi, advogada e Frederica Richter, advogada.