Sexta-feira, 08 de agosto de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 7 de agosto de 2025
Pesquisadoras da Universidade Drexel, de Michigan, da Pensilvânia e do Instituto Nacional sobre o Abuso de Álcool e Alcoolismo, todos nos Estados Unidos, publicaram um artigo na revista científica Nature Medicine em que defendem que “agora é o momento de reconhecer e responder ao vício em alimentos ultraprocessados”.
O termo diz respeito às comidas e bebidas embaladas, ricas em açúcar, óleos e gorduras, que passam por diversos processos industriais, com adição de uma série de químicos, e têm baixíssimo valor nutricional. Os itens, como salgadinhos, refrigerantes, entre muitos outros, são alternativas altamente palatáveis e práticas, mas associadas a um número cada vez maior de problemas de saúde.
Em relação ao vício, cientistas debatem se é possível falar em dependência de ultraprocessados, algo que ainda não é um consenso. Porém, para as quatro pesquisadoras que publicaram o novo artigo, há sim evidências suficientes para apoiar a classificação.
“Não estamos dizendo que todos os alimentos são viciantes. Estamos dizendo que muitos alimentos ultraprocessados são projetados para ser viciantes. E, a menos que reconheçamos isso, continuaremos a falhar com as pessoas mais afetadas, especialmente as crianças”, diz a autora principal do estudo, Ashley Gearhardt, professora de Psicologia da Universidade de Michigan, em nota.
As pesquisadoras afirmam que os ultraprocessados podem desencadear comportamentos aditivos e ativam mecanismos neurobiológicos que atendem aos mesmos critérios clínicos usados para diagnosticar transtornos por uso de substâncias, como de álcool, cigarro e outras drogas.
Por isso, elas argumentam que não reconhecer a dependência de ultraprocessados como um diagnóstico seria “uma omissão perigosa, com graves consequências para a saúde pública global”. Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora americana, e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), lançaram uma iniciativa conjunta inspirada no programa de combate ao tabagismo, para avaliar o tema.
No X, Carlos Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) que cunhou o conceito de alimentos ultraprocessados, maior referência mundial sobre o tema, compartilhou o artigo e disse que, “com argumentos convincentes”, as “importantes estudiosas da saúde mental pedem o reconhecimento do vício em alimentos ultraprocessados como um transtorno para apoiar uma prevenção mais forte, um melhor tratamento e políticas públicas mais eficazes”.
No estudo, as autoras analisaram evidências de quase 300 trabalhos, feitos em 36 países, e concluíram que os alimentos ultraprocessados podem sequestrar o sistema de recompensa do cérebro, desencadeando desejos intensos, perda de controle e uso persistente, apesar das consequências negativas, características ligadas ao vício.
Afirmam ainda que estudos de neuroimagem revelaram que indivíduos com consumo compulsivo de ultraprocessados apresentam alterações nos circuitos cerebrais semelhantes às observadas na dependência de álcool e cocaína.
Elas citam ainda que medicamentos que reduzem o desejo por alimentos ultraprocessados, como os análogos de GLP-1, também têm se mostrado eficazes na diminuição do uso compulsivo de drogas, o que “reforça os mecanismos neurobiológicos compartilhados”.
Além disso, lembram que condições como transtorno por uso de óxido nitroso e de cafeína já foram incluídas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), documento que classifica os transtornos mentais, ainda que tenham evidências limitadas.
“O critério para reconhecer vício tem sido muito mais brando em outros casos. Já passou da hora de o vício em alimentos ultraprocessados ser submetido ao mesmo rigor científico”, afirma Erica LaFata, uma das autoras do estudo e professora no Centro de Ciência do Peso, Alimentação e Estilo de Vida da Universidade Drexel.
As pesquisadoras mencionam que críticas frequentes ao reconhecimento da dependência de ultraprocessados afirmam que alimentos são necessários para sobrevivência, de modo diferente de drogas como cigarro e álcool. No entanto, para as autoras, os ultraprocessados passam por processos industriais que os tornam muito distantes dos alimentos in natura.
“As pessoas não estão ficando viciadas em maçãs ou arroz integral. Elas estão lutando contra produtos industriais especificamente projetados para atingir o cérebro como uma droga, de forma rápida, intensa e repetida”, defende Ashley. “Criamos um ambiente alimentar inundado de produtos que funcionam mais como nicotina do que como nutrição. E as crianças são o principal alvo”, escrevem no artigo.
Elas pedem que gestores de saúde pública, profissionais e formuladores de política públicas reconheçam formalmente o vício em ultraprocessados e financiem pesquisas e ferramentas para a identificação e tratamento do diagnóstico. Além disso, que implementem medidas semelhantes às para o controle do tabaco, como restrição de publicidade e campanhas de educação.
Como identificar os ultraprocessados
O conceito de ultraprocessados, que ganhou o mundo, foi elaborado por pesquisadores da USP a partir da criação da classificação Nova, que divide os alimentos e bebidas em quatro grupos. Os in natura ou minimamente processados são aqueles obtidos diretamente da natureza ou que passam por processos simples sem adição de substâncias, mantendo suas características originais, como carne, grãos, leite e frutas.
O segundo grupo diz respeito aos ingredientes culinários processados, que são extraídos de alimentos ou também diretamente na natureza e usados em pequenas quantidades para preparar refeições, como óleos, sal e açúcar. Já os alimentos processados são aqueles que passam por modificações com esses ingredientes para aumentar sua durabilidade e variedade, como pães, queijos e conservas.
Por fim, o quarto grupo engloba os ultraprocessados, que são formulações industriais com diversos aditivos, como corantes, saborizantes e ingredientes modificados, que imitam alimentos naturais, mas com baixo valor nutricional e alto apelo comercial. Alguns exemplos são refrigerantes, salgadinhos, doces, sorvetes, barras de cereal, pães embalados, margarina, macarrão instantâneo, entre outros.