Quarta-feira, 24 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 23 de dezembro de 2025
Antes da decisão que autorizou a prisão domiciliar humanitária do general Augusto Heleno, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia concedido o benefício a outros 20 condenados e negado 17 pedidos semelhantes, entre eles o do ex-presidente Jair Bolsonaro. O dado consta em levantamento feito pelo portal de notícias g1 com base em decisões da Corte até o dia 22 de dezembro de 2025.
Heleno teve a prisão domiciliar autorizada após ser condenado a 21 anos de prisão por envolvimento na trama golpista. Aos 78 anos, o general alegou sofrer de Alzheimer, argumento aceito pelo STF. A prisão domiciliar humanitária não está prevista expressamente em lei, mas é concedida em caráter excepcional pelo Judiciário, sobretudo a presos em regime fechado que apresentam doenças graves e não conseguem receber tratamento adequado no sistema prisional.
Dos 21 condenados que obtiveram o benefício, incluindo Heleno, 15 são idosos e todos apresentaram algum tipo de problema de saúde física ou mental. Entre os 17 que tiveram o pedido negado, 15 também alegaram questões médicas, mas a maioria, cerca de dez pessoas, tem menos de 60 anos. Bolsonaro está entre os que tiveram a solicitação rejeitada.
Ao todo, foram analisadas 99 decisões relacionadas ao tema, sendo 98 disponíveis na jurisprudência do STF e uma mais recente, ligada a Bolsonaro, que ainda não consta no sistema. Os processos envolvem 38 pessoas condenadas a cumprir pena em regime fechado que solicitaram prisão domiciliar humanitária. A maioria dos casos está relacionada à trama golpista e aos atos de 8 de janeiro de 2023, episódio que gerou o maior número de condenações da história do Supremo.
Além desses réus, há condenados por crimes eleitorais, lavagem de dinheiro e corrupção, como o ex-deputado Paulo Feijó, no escândalo dos Sanguessugas, e por atentado contra os Poderes, caso do ex-deputado Roberto Jefferson. Também aparecem no levantamento o ex-presidente Fernando Collor, condenado na Lava-Jato, e os ex-deputados Nelson Meurer e José Genoíno, condenados no processo do Mensalão.
Como a maior parte dos pedidos partiu de condenados pelos atos de 8 de janeiro, as decisões ficaram concentradas nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos. Ele analisou 32 dos 38 pedidos e concedeu a prisão domiciliar humanitária a 17 pessoas, sendo 15 envolvidas nos atos golpistas, além de Collor e Roberto Jefferson. Moraes também negou 15 solicitações, todas relacionadas ao 8 de janeiro, incluindo a de Bolsonaro.
Em alguns casos, o ministro autorizou a prisão domiciliar mesmo com laudos médicos indicando que o sistema prisional teria condições de oferecer tratamento adequado, fator que normalmente pesa contra a concessão do benefício. Houve ainda situações em que a medida foi restabelecida a condenados que haviam descumprido anteriormente as regras impostas pela Justiça.
Para o professor de direito penal Pedro Kenne, mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, os dados demonstram que o STF trata a prisão domiciliar humanitária como uma exceção e realiza uma análise individualizada de cada caso. Segundo ele, o ponto central é avaliar se o Estado tem ou não condições de garantir o cuidado necessário à saúde do preso dentro do sistema prisional.
Kenne explica que a legislação prevê recolhimento domiciliar apenas para condenados em regime aberto e para presos preventivos, observados critérios como idade avançada, doenças graves ou situações envolvendo gestantes e responsáveis por filhos. No entanto, quando há risco à saúde incompatível com a permanência no cárcere, o Judiciário acaba admitindo, de forma excepcional, a prisão domiciliar também para quem cumpre pena em regime fechado ou semiaberto.
Na prática, de acordo com o jurista, o laudo médico do presídio costuma ser decisivo. Se o documento atestar que há tratamento minimamente adequado, a tendência é a negativa do pedido. Ainda assim, decisões anteriores mostram que fatores como idade avançada, agravamento do quadro clínico e risco à integridade física podem levar o STF a autorizar a medida, mesmo diante de pareceres técnicos contrários.
Casos emblemáticos analisados no levantamento revelam divergências nesse entendimento. Enquanto algumas pessoas condenadas pelos atos de 8 de janeiro obtiveram o benefício mesmo após descumprirem regras impostas pela Justiça, outros presos em condições semelhantes tiveram os pedidos negados. Há também registros de condenados idosos e com comorbidades, como o ex-deputado Nelson Meurer, que tiveram a prisão domiciliar recusada e morreram no cárcere, como ocorreu durante a pandemia de covid-19.
Ao longo dos anos, ministros do STF têm ressaltado que a prisão domiciliar humanitária não pode ser utilizada como meio para obtenção de condições mais favoráveis de cumprimento de pena e que decisões desse tipo devem observar critérios de igualdade, evitando privilégios individuais. Ainda assim, mais de uma década depois dessas manifestações, a Corte segue admitindo o benefício em situações consideradas excepcionais, como ocorreu recentemente no caso de Augusto Heleno.