Terça-feira, 20 de maio de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 29 de outubro de 2023
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai receber em 22 de novembro a primeira ministra brasiliense. Nascida e com formação na capital do País, Daniela Teixeira, 51 anos, chega para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Félix Fischer, depois de ter o nome aprovado pelo Congresso Nacional.
Não foi fácil, evidentemente, conquistar um cargo tão cobiçado. O momento mais difícil, segundo Daniela, foi a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O nível de exigência para que Daniela demonstrasse notório saber jurídico foi bem diferente do cobrado dos desembargadores também indicados para outras vagas no STJ. “Foi uma realidade muito cruel, de machismo”, diz.
Daniela é a sexta integrante mulher de uma corte de 33 ministros. A última nomeação havia ocorrido há 10 anos, quando Regina Helena Costa foi indicada pela então presidente Dilma Rousseff. Com personalidade e opiniões definidas, Daniela, que sempre foi feminista, agora pretende vestir a toga em todos os sentidos. Só participará de campanhas abraçadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e não fará manifestações fora dos autos.
Mas quem a conhece sabe como a nova ministra deve se posicionar nos processos. Advogada criminalista, ela é garantista, defende os direitos individuais e é contrária ao encarceramento. Integrante do grupo Prerrogativas, terá um olhar severo sobre operações policiais escandalosas e focadas nos holofotes.
Na corte, a magistrada herdará 13 mil processos. Vai integrar a 5ª Turma, da área criminal. E pretende seguir suas convicções, dentro dos limites da magistratura. “Todos sabem quem é Daniela Teixeira”, diz. Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista.
1. Qual será o olhar de uma ex-advogada na magistratura? Acho isso muito importante. Nosso constituinte poderia ter dito que os ministros dos tribunais superiores seriam todos concursados, juízes de carreira. Vários países fazem essa opção. A nossa Constituição, não. Ela quis que um pedaço do tribunal viesse da advocacia. Eu fui advogada há 27 anos, não fiz concurso, não estudei para ser juíza e eu vou começar como ministra do tribunal. Algumas pessoas estranham, mas é exatamente o que quis o nosso constituinte: que houvesse, no tribunal, ministros com esse olhar de advocacia. Isso quer dizer que eu vou ter lado na demanda? Claro que não. Até porque normalmente a demanda tem dois advogados, um de cada lado. O que o constituinte quis é que eu levasse um olhar da parte.
2. Do ponto de vista do cidadão, quais são as demandas mais urgentes no STJ? A maior reclamação é o tempo. Quando o processo chega ao STJ, ele tem uma média de 10 anos. Imagine você procurar um advogado e ele fala: o seu processo vai durar entre 10 e 14 anos. Isso precisa diminuir urgentemente. Justiça tardia não é justiça. Isso já é dito há 100 anos, e a cada ano tem ficado mais urgente tomar uma decisão, que é diminuir a carga de processos, o número de recursos.
3. A senhora também leva para o STJ o olhar feminino. Como será isso? Há uma frase da qual gosto muito: nada sobre as mulheres sem as mulheres. Se não tem mulher falando, não tem que se falar sobre mulher. É muito importante que a gente esteja no tribunal. Metade do Brasil é de mulher, não é razoável ter tribunais inteiros de Justiça, como acontece em alguns estados, sem nenhuma mulher. É preciso que a mulher esteja no Poder Judiciário, porque o Judiciário dita normas de conduta, normas de moral. O Legislativo tem uma lei muito seca: melhor interesse da criança, diz a lei. Quem vai dizer o que é o melhor interesse da criança é o juiz. E se não temos juízas julgando processos de família, vai ser sempre um olhar do homem, do pai, de quem não é mulher.
4. Na sua jornada até o STJ, como essa questão de gênero foi colocada? Eu senti muito isso no Senado. O Senado, para mim, foi um choque de realidade brutal. Conversei com todos os senadores individualmente, e foi um choque. O Senado representa o Brasil. É o que a média dos brasileiros pensa, votando secretamente naquilo que talvez não confesse no almoço de domingo. Foi uma realidade muito cruel, de machismo.
5. Qual a sua opinião sobre a população carcerária do Brasil? O Brasil só perde para a Indonésia em ritmo de aprisionamento. Nós vamos virar a década prendendo cada dia mais, e não resolve. Eu tenho essa firme convicção de que cadeia não reabilita ninguém. Fiz muita inspeção em presídios — na OAB, a gente chama de institutos. A gente prova comida, vê onde dorme, vê qual é o sistema de saúde que atende esse interno — a gente não chama de preso, a gente respeita a pessoa que está lá. A nossa Constituição não tem pena perpétua nem de morte. Cedo ou tarde a pessoa vai sair. E que pessoa a gente está colocando no sistema, na nossa sociedade?