Quinta-feira, 03 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 3 de julho de 2025
As redes sociais, ao tempo em que são espaço para grande interação entre as pessoas, também projetam palpiteiros de plantão. Nesse contexto, a geopolítica emerge como um dos temas preferidos. Vivemos um momento no qual a análise dos conflitos internacionais parece ter sido sequestrada por uma lógica simplista, muitas vezes encharcada por paixões. A geopolítica – antes campo de estudo de diplomatas, estrategistas e historiadores – tornou-se mais uma arena da chamada “futebolização” da opinião pública. Exemplos recentes não faltam, mas o conflito onde a lógica acima é mais evidente é entre Israel e seus inimigos da região do Oriente Médio. Nas redes sociais, tudo se reduz a escolher um lado, como se estivéssemos num campeonato de torcidas apaixonadas e cegas: de um lado, os supostos mocinhos; do outro, os inevitáveis vilões.
Esse reducionismo não é fruto do acaso. Ele atende a interesses bem estabelecidos. Simplificar narrativas é uma das formas mais eficazes de manipular a opinião pública. Criam-se enredos fáceis de consumir, com personagens bons e maus definidos, para vender manchetes, influenciar eleições e justificar ações militares ou econômicas que, na maioria das vezes, têm motivações muito mais complexas. Há também, especialmente no campo das análises mais ligeiras e menos profundas, preferências ideológicas domésticas que encontram objeto em disputas alhures. A história das guerras – passadas e presentes, contudo, raramente obedece a essa lógica binária. Por trás de cada bombardeio, sanção ou intervenção, há décadas (quando não séculos) de disputas territoriais, rivalidades culturais, interesses comerciais, jogos de poder e erros acumulados. Ignorar esse contexto é, no mínimo, ingenuidade; no máximo, má-fé.
O Oriente Médio, por exemplo, não pode ser compreendido apenas a partir dos acontecimentos recentes. A fragmentação política da região é fruto direto da partilha arbitrária de territórios feita pelas potências coloniais europeias após a Primeira Guerra Mundial. Da mesma forma, a atual tensão entre grandes potências como Estados Unidos, China e Rússia é herança de décadas de Guerra Fria, disputas comerciais, batalhas tecnológicas e discussões por zonas de influência. Sem compreender esse contexto mais amplo, é inevitável que sejamos capturados muito mais pelas paixões do que pelo apoio da razão.
O debate público, nessa perspectiva simplista, continua preso a rótulos apressados. Quem ousa relativizar ou contextualizar um conflito é rapidamente acusado de estar “do lado errado da história”. As redes sociais, com sua dinâmica de engajamento baseada na polarização, aprofundam ainda mais esse comportamento tribalista. E, enquanto o cidadão comum escolhe bandeiras e perfila-se emocionalmente, há aqueles que lucram com o caos: indústrias bélicas, setores de energia, grandes corporações e grupos financeiros que operam muito bem em ambientes de instabilidade.
Como já ensinava Maquiavel, dividir para reinar é um truque antigo – mas nunca foi tão amplificado como agora pelas novas tecnologias de comunicação. O resultado é uma sociedade mundial cada vez mais fragmentada, incapaz de construir consensos mínimos até sobre temas de interesse coletivo, como a paz, os direitos humanos ou a sustentabilidade. Esse quadro de fragmentação afeta também a autoridade dos mecanismos multilaterais como ONU, OCDE, OMS e tantos outros que perdem força diante do voluntarismo autoritário, caricaturado na ação de lideranças populistas que emergem perigosamente no mundo.
Se quisermos entender de fato os conflitos do planeta, é preciso coragem intelectual para ir além das narrativas simplificadas. Exige leitura histórica, análise geopolítica e, sobretudo, a disposição de enxergar a política internacional como ela realmente é: um campo de disputas de poder, interesses estratégicos e contradições humanas, onde raramente há inocentes absolutos – e quase nunca vilões de caricatura.
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