Segunda-feira, 15 de setembro de 2025

As sustentações orais do julgamento de Bolsonaro e outros sete réus foram marcadas pelo contraponto entre o tom bacharelesco de Luiz Fux e a retórica incisiva de Alexandre de Morais

As sustentações orais do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado foram marcadas pelo contraponto entre o tom bacharelesco de Luiz Fux, que citou ao menos 27 autores para embasar seu voto, a retórica incisiva de Alexandre de Moraes, com a repetição do termo “organização criminosa” mais de cem vezes, e os votos mais sucintos de Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia, que recorreu à poesia.

Uma análise textual sobre os votos dos cinco ministros da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) mostra que, no geral, as palavras mais frequentes e comuns aos discursos têm ligação direta com os crimes julgados: tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

O portal Folha de São Paulo utilizou inteligência artificial para transcrever todas as falas do julgamento, que depois foram revisadas, e linguagem de programação para fazer a análise e contagem de palavras e caracteres das apresentações de voto de cada um dos ministros.

O voto de Moraes, relator e que abriu o julgamento, durou 4h50 e registrou um volume de palavras superior ao romance “Iracema”, de José de Alencar. Foi o segundo discurso mais longo, atrás de Fux.

Moraes fez comentários sobre sua peça jurídica e usou com frequência (ao menos 15 vezes) o recurso da repetição, uma maneira de enfatizar seus argumentos, em especial quando parafraseava o principal réu, Jair Bolsonaro. O ministro foi quem mais reforçou a ideia de que a ação dos réus configurou organização criminosa.

Ao citar uma das frases de Bolsonaro, quando este disse que poderia fazer uma “concentração na avenida Paulista para dar um último recado [ao então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso]” em 2021, Moraes reforça a frase “último recado” quatro vezes, e emenda: “último recado ameaçando, não pela primeira vez e, lamentavelmente, não pela última vez, o livre funcionamento do Poder Judiciário”.

Flávio Dino teve o discurso mais enxuto da Primeira Turma. Segundo ministro a votar, respaldou o voto do relator em relação à condenação dos oito réus, mas fez uma ressalva, defendendo que Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira tiveram uma participação inferior na trama. Sua defesa, por isso, tem mais citações a Ramagem do que a Bolsonaro ou Mauro Cid, que encabeçam como os réus mais referenciados pelos outros membros do STF.

Ele fez poucas citações bibliográficas, mas deu espaço a um texto do filósofo alemão Karl Loewenstein, sobre legislações protetivas da democracia.

Já Luiz Fux, o único ministro a absolver Bolsonaro, fez uma apresentação mais extensa em palavras do que romances machadianos ou “Os Lusíadas”, de Luís de Camões. Teceu alguns comentários, mas ocupou a maior parte do tempo na leitura de uma sustentação de mais de 480 páginas, na qual usou pelo menos 27 referências bibliográficas –de Sêneca aos juristas italianos Luigi Ferrajoli e Cesare Beccaria.

Também foi o ministro que mais recorreu ao latim, com uma ampla gama de termos: “ratione personae”, “perpetuatio jurisdictionis”, “in dubio pro societate”, “nemo tenetur se detegere”, “lides”, “vênia”, “cogitatio”.

“Cogitatio”, do latim “cogitare”, é uma expressão ligada ao pensamento, e Fux a usa para justificar que os réus não poderiam ser condenados apenas por “criação intelectual, maturação, deliberação e discussão” do golpe.

Dissonante na forma e no conteúdo, a argumentação de Fux foi alvo de indiretas dos colegas. A decana da Primeira Turma, Cármen Lúcia, disse que levou ao plenário seu voto impresso, mas que não precisaria lê-lo (como Fux), só comentá-lo. Ela foi econômica nas citações, recorrendo a Afonso Romano Santana, Vitor Hugo, Maquiavel e aos historiadores Heloisa Starling e Carlos Fico.

Último a ler o voto, o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, seguiu padrão parecido. Ao condenar os oito réus, citou ministros e ao menos cinco juristas ao embasar seu voto, como Claus Roxin, Beatriz Camargo e o filósofo italiano Norberto Bobbio.

“É o que se colhe do velho Adagio Romano, cogitationis poenam nemo patitur , ou seja, ninguém pode ser punido pela cogitação

Luiz Fux ministro do STF em seu voto no julgamento da trama golpista; ele foi o magistrado que mais recorreu ao latim em sua argumentação. Com as informações do portal Folha de São Paulo.

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