Segunda-feira, 07 de outubro de 2024

Até agora, “pente-fino” nos benefícios do INSS só cortou 40% do previsto para 2024

Uma das principais apostas da equipe econômica para equilibrar as contas públicas, a revisão de gastos com programas do governo anda a passos lentos neste ano e reforça a dificuldade de atingir a meta fiscal zero em 2025. Essa incerteza se soma às dúvidas em relação à capacidade do governo de obter R$ 166 bilhões em receitas extras para fechar as contas no ano que vem.

Em 2024, a previsão é poupar R$ 10 bilhões, principalmente com gastos do INSS. Mas, a quatro meses do fim do ano, a economia alcançada com os benefícios previdenciários é de cerca de 40% do total. Já no ano que vem, o governo conta com a redução de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios com a iniciativa, focada novamente no INSS.

Entre analistas em contas públicas, há dúvidas se essas medidas serão suficientes. Os especialistas ainda argumentam que o combate a irregularidades faz parte da rotina dos ministérios, não sendo algo adicional para lidar com o avanço dos gastos públicos.

Segundo eles, para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal, será necessário avançar na desindexação do Orçamento e em mudanças estruturais que diminuam o tamanho dos programas. O governo, porém, decidiu adiar essa discussão para o ano que vem por conta das eleições municipais.

Auxílio-doença e BPC

O pente-fino vem sendo realizado desde o ano passado, com o objetivo de combater fraudes e irregularidades na concessão de benefícios. Diante de evidências de pagamentos indevidos no final do governo Jair Bolsonaro, o primeiro alvo foi o Bolsa Família.

Este ano, as principais apostas são o uso da ferramenta Atestmed, que concede auxílio-doença sem necessidade de perícia (R$ 5,6 bilhões) e a reavaliação de benefícios desse tipo que já foram concedidos (R$ 2,973 bilhões). Com o Atestmed, a folga foi de 35% do total previsto.

Já a reavaliação do auxílio-doença teve início em julho, com a previsão de analisar 800 mil benefícios. Até agora, 258 mil passaram por perícia, o que resultou no cancelamento de 133 mil, gerando um corte de R$ 1,3 bilhão até o fim de 2024.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda de São Paulo, avalia que o pente-fino é positivo e deve continuar para combater as fraudes, que são inaceitáveis. Mas pondera que essa agenda é permanente e está aquém do esperado este ano.

“Em 2024, colocou-se uma premissa a título de combate a fraudes que, a julgar pelos números realizados até agora, não se materializaram. Spending review (revisão de gastos) é algo mais amplo do que combater fraudes. Deveria se referir a revisões efetivas de programas ruins, que não estão gerando o resultado pretendido originalmente. Nisso, entendo que ainda há pouco avanço”, avalia Salto.

Do total previsto para economizar no ano que vem, maior parte (R$ 6,4 bilhões) virá da revisão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, no valor de um salário mínimo. Dentro do governo, porém, esse número é visto como incerto, pois novos beneficiários podem ser incluídos, e a revisão só começa ano que vem.

Outros R$ 10,5 bilhões têm, mais uma vez, foco no auxílio-doença (Atestmed, reavaliação e medidas cautelares). Há ainda contribuições previstas do Bolsa Família (R$ 2,3 bilhões), gastos com pessoal (R$ 2 bilhões), Proagro (R$ 3,7 bilhões) e seguro-defeso (R$ 1,1 bilhão). Este último depende de aprovação de medidas pelo Congresso.

Necessidade de reforma

O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal da FGV, afirma que o governo dificilmente cumprirá o arcabouço se, na estratégia para equilibrar as contas públicas, não incluir reformas estruturantes. Nem todos os benefícios que vão passar por pente-fino são irregulares, e trabalhar com uma arrecadação não recorrente sem margem de segurança é arriscado, diz:

“Sou a favor de mesclar aumento de arrecadação, uma agenda de controle de despesa e ter alguma reforma estrutural. Com essas três coisas andando juntas, é possível resolver o problema, de forma equilibrada, justa, e, ao mesmo tempo, obter um alívio no cenário de longo prazo, com benefícios a partir de hoje.”

Uma amostra da dificuldade do governo Lula pode ser vista em outra gestão. Entre 2016 e 2018, o governo Temer obteve uma economia de R$ 14,5 bilhões com revisão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Mas, segundo técnicos do INSS, metade dos benefícios cancelados foi reativada pela Justiça.

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