Quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 29 de novembro de 2023
Passada a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais argentinas e a ascensão de Geert Wilders ao poder na Holanda, memes circularam na internet apontando para o que está se tornando uma constante: a ligação entre a extrema direita e penteados estranhos. Essa relação existe? Se sim, por quê?
Houve um tempo em que era normal que um homem proeminente de poder usasse o cabelo comprido, cheio de cachos artificiais, rabos de cavalo com laços ou mechas desgrenhadas de forma bizarra. Como escreveu o psicólogo John Carl Flugel em um dos primeiros tratados sobre a semiótica da moda a ser publicado no século XX: antes da Revolução Francesa, quando ocorreu o que ele chamou de “a grande renúncia” entre os homens, que transformou a austeridade em um sinal de virilidade, os tecidos mais suntuosos, as cores mais prestigiadas e as perucas mais exageradas também eram um assunto masculino. Elas eram um símbolo infalível de status.
Curiosamente, a moda da peruca começou no século XVI com o surto de sífilis nas cortes europeias, que deixou os homens carecas. O rei Luís XIII, que tinha cabelos naturais longos e exuberantes, começou a usá-las para disfarçar sua alopecia, pois perdeu os próprios cabelos aos 23 anos — embora tenha sido Luís XIV, o famoso Rei Sol, que as transformou em uma febre entre seus súditos e em um símbolo de ostentação e desigualdade tão forte. Em 1792, a Convenção aboliu a peruca, e os mais de 20 mil cabeleireiros da França foram obrigados a se tornar barbeiros. O material com o qual eles tinham que trabalhar agora era cabelo de verdade colado em suas cabeças. A moda mudou e isso afetou a todos.
— Com o início do século XIX, o corte de cabelo curto tornou-se o padrão de limpeza em toda a Europa: cortá-lo era uma forma de dizer adeus ao Antigo Regime — explica Ana Velasco Molpeceres, autora do livro “A História da moda na Espanha” e professora de comunicação na Universidade Complutense de Madri.
As revoluções liberais e os valores do Iluminismo tiveram uma certa projeção simbólica nos cabelos curtos, que também começaram a ser vistos na Inglaterra. As mesmas ideias românticas que alimentavam o nacionalismo sobre o qual a nova Europa seria construída impuseram cortes de cabelo semelhantes aos dos imperadores e sábios das antigas civilizações. O mais popular de todos era o Brutus.
Se quiser saber como era esse corte de cabelo, você pode fazer duas coisas: procurar os personagens dos romances de Jane Austen ou olhar para a cabeça do presidente eleito da Argentina, Javier Milei.
“Se você reparar, é curioso que esses rebeldes revolucionários, que construíram os Estados liberais, sejam os precursores das ideias de Milei, que é outro rebelde em uma mudança de época e também liberal, embora em sua expressão mais extrema”, explica Ana Velasco, para quem a estratégia capilar do argentino tem mais a ver com a ideia de não se conformar com os cânones de seu tempo, justamente para transmitir diferença.
O mesmo se aplica ao holandês Geert Wilders:
“Acho que eles escolheram esses penteados porque são desconcertantes e, portanto, muito amigáveis à mídia. A estética bizarra e rupturista que sempre se encaixou na esquerda agora incorpora a direita neoliberal individualista: é uma oposição frontal à burguesia e, ao mesmo tempo, uma reafirmação vã”, continua a professora.
Antoni Gutiérrez-Rubí, diretor da consultoria de comunicação Ideograma e assessor da campanha de Sergio Massa, que perdeu para Milei, concorda:
“Nesse tipo de nova liderança, como a de Trump, por exemplo, o surgimento de penteados marcantes tem muito a ver com a ascensão da cultura digital e a possibilidade de transformar cabeças em ícones gráficos”.
No caso da Milei, o cabelo serviu para estruturar uma campanha inteira em torno da figura do leão.
Calvície
Na opinião do sociólogo e cientista político Luis Arroyo, diretor da consultoria Assessores de Comunicação Pública, o cabelo masculino sempre foi um sinal de força e sabedoria, enquanto a ausência de cabelo foi decodificada como o oposto, algo que poderia explicar o esforço de Donald Trump para esconder sua calvície a todo custo, por meio de sua peruca bizarra.
De qualquer forma, os penteados têm significados e atribuições profundamente culturais que variam de país para país: a Argentina já viu a ascensão de um líder inclassificável como Carlos Ménem, cujas inesquecíveis costeletas também não se adequavam aos cânones dominantes da época. Evo Morales, da Bolívia, fez de sua pluma negra o símbolo de um certo tipo de orgulho.