Segunda-feira, 10 de novembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 9 de novembro de 2025
Belém, sede da primeira COP na Amazônia, enfrenta há duas décadas temperaturas 1,5°C acima de sua média, revela um estudo recém-publicado liderado pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Esse aumento de temperatura foi o limite estabelecido pelo Acordo de Paris para a média global a fim de evitar os impactos mais severos das mudanças climáticas. A cúpula, portanto, não será apenas a da floresta, mas de uma literal imersão no caldeirão que a COP30 tem o desafio de esfriar, e ainda uma demonstração prática, à flor da pele, da falta que uma árvore faz.
A pesquisa contou também com cientistas do Instituto Tecnológico Vale, da Universidade de São Paulo (USP); do Serviço Geológico Brasileiro; e da Universidade Federal do Amapá. Ela mostrou que temperatura da cidade ficou 1,5°C acima da média de 2005 a 2024 em comparação ao período de 1980 a 1999, na estação seca. O vento, que ajuda a amenizar o calor, também diminuiu. As noites, normalmente o período mais ameno, quando o corpo restaura a energia, estão mais quentes.
“Belém está mais quente e menos ventilada. É um exemplo inequívoco de mudança climática. Ficou mais difícil até dormir para a maioria da população, que não tem ar-condicionado”, afirma o coordenador do estudo, Everaldo Barreiros, da Faculdade de Meteorologia da UFPA.
O presente tórrido deve ser seguido por um futuro infernal. Uma pesquisa da ONG International CarbonPlan já havia projetado que Belém será a segunda cidade mais quente do mundo em 2050, atrás somente de Pekanbaru, na Indonésia.
Umidade alta
A alta umidade é o ingrediente-chave para a caldeirada climática à la belenense. Ela impede que o suor evapore e aumenta a sensação de calor. Por isso, o calor úmido é a garantia da pior sensação térmica que se pode vivenciar.
Barreiros destaca que o número de dias sob ondas de calor, com temperaturas de 3,5°C a 5°C acima da média do período, explodiu — um crescimento de 550%. Em 2016, não chegava a dez dias por ano. Em 2020, passou para cerca de 45 dias/ano. Em 2023, já estava em 65 dias anuais de onda de calor.
“Fica insuportável e tem impacto direto na qualidade de vida e na saúde da população”, ressalta Barreiros.
A pesquisa também revela que Belém é o lugar certo para experimentar extremos de precipitação. A chuva forte, tão característica da cidade, está mais concentrada em poucos dias. O que significa que aumentaram os dias sem alívio e também os episódios de tempestades extremas. Os eventos de chuva acima de 650 mm/mês passaram de 30 por ano em 1990 para atuais 40 por ano.
“Isso tem agravado muito os alagamentos, um problema crônico de Belém”, afirma Camila Magalhães, diretora da Mandi, ONG que lançou com a Rede Jandyras a Agenda Climática para Belém, com o objetivo de propor políticas públicas.
Mudanças globais
Barreiros explica que o aumento do calor é resultado da combinação de mudanças climáticas globais com a ilha de calor urbana. A variação entre as áreas arborizadas para as sem proteção de árvores medida pelos pesquisadores da UFPA chega a ser de 5 °C. Isso porque árvores são refrigeradores naturais. Numa área arborizada, a energia do sol é absorvida em boa parte por elas. Mas, em linhas gerais, em áreas urbanas esse calor é todo usado para aquecer o ar.
Belém, que já era pouco arborizada, perdeu 20,4% de sua cobertura florestal no período de 1985 a 2023. Favelas e condomínios de luxo ocuparam o que antes eram matas, parques ou praças.
A cidade tem um baixo índice de arborização urbana (está na posição 4.465 de 5.570 do ranking de municípios brasileiros do IBGE/2022) e é uma das capitais menos arborizadas do país. Dados do IBGE mostram que somente 22,4% da área do município são arborizados, e apenas 45,5% das ruas têm pelo menos uma árvore, um índice abaixo da média nacional, de 66%.
Isso significa que a maior parte dos domicílios fica em ruas sem árvores e expostas à inclemência do sol equatorial, casos de bairros superpopulosos e carentes, como Guamá e Terra Firme.
O Painel Climático da Região Metropolitana de Belém, que será lançado na COP30 mostra que o calor da capital é desigual, assim como a arborização. Os cerca de 80 mil habitantes de Guamá contam com apenas uma praça, onde há algumas dezenas de árvores junto a um canal de esgoto. O painel será lançado pelo Centro Brasileiro de Justiça Climática, Casa Fluminense e Observatório das Baixadas.
A Região Norte esquenta mais que o restante do país, e Belém é a cidade com maior tendência de aquecimento, afirma Helen Gurgel, coordenadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde da Universidade de Brasília (UnB), que estuda o impacto do calor sobre a saúde pública:
“O calor adoece e mata. É um problema de saúde que só faz aumentar e para o qual devemos proteger a população”, diz Gurgel, ressaltando que uma das formas para amenizar o “caldeirão” é plantando árvores. (Com informações de O Globo)