Domingo, 13 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 23 de outubro de 2022
À frente da maior arquidiocese do Brasil, o cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, está preocupado com a polarização. Mesmo sem tomar partido, tem sido criticado nas redes sociais por propor o diálogo. Semana passada, quis explicar a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que o atacavam que as vestes vermelhas de sua foto no Twitter são próprias de cardeais, e não do comunismo.
Ao escrever sobre os ataques, que diz virem de “vários lados” do espectro político, afirmou que parecemos “reviver os tempos da ascensão do fascismo”. Nesta entrevista, Dom Odilo diz que a liberdade de culto no Brasil não está ameaçada, mas critica interrupções de missas recentes. Para ele, é descabido criticar padres que falem em proteger o meio ambiente e combater a fome.
1. Vivemos um alto grau de polarização política. Como o senhor vê esse fenômeno? Com preocupação. Não vejo como mau o envolvimento do povo, pior seria se não houvesse interesse. Porém, as manifestações extrapolam o que deveria ser o normal, o debate plural de ideias. Tem havido ameaças, inclusive manifestações contra religiosos, querendo cerceá-los ou constrangê-los a declarar voto. Sobretudo, vejo o uso de mentiras como instrumento de campanha.
2. Semana passada, viralizaram vídeos de missas interrompidas por gritos de fiéis que se revoltaram, por exemplo, com um padre que relembrou os assassinatos de Marielle Franco, Bruno Pereira e Dom Philips. “Lamentavelmente, isso aconteceu e deveria ser absolutamente evitado. Inclusive, é passível de ser julgado pela Justiça. As celebrações religiosas são invioláveis, não devem ser interrompidas, profanadas ou perturbadas. Estamos diante de um fenômeno de tal ideologização que não se pode falar em pobre, em injustiça ou contra a violência que isso é identificado como tomada de partido. Falar de fome, violência, meio ambiente e justiça social faz parte do discurso social e da doutrina da Igreja.”
3. A liberdade religiosa está ou esteve em perigo no país? Não vejo por que afirmar isso. Mas, quando se quer constranger um eleitor a votar por motivação religiosa, cria-se assédio político. A religião não deve ser instrumentalizada.
4. A CNBB foi tachada de ‘comunista’ pela extrema-direita. “É um discurso fora de época. Quem acusa um bispo ou o Papa de comunistas ou não sabe quem são o bispo e o papa ou não sabe o que é comunismo. Tenha a santa paciência!”
5. A Igreja evita apoiar candidatos, mas há padres e bispos que apoiam Lula ou Bolsonaro. “É norma da Igreja que os clérigos devem se abster de opção político-partidária perante o povo. O padre e o bispo devem zelar pelo todo da comunidade. Quem faz opção por uma parte esquece a outra”, disse o religioso.
6. Na política, igrejas evangélicas ocupam mais espaço do que as católicas, e as mais relevantes apoiam Bolsonaro. “O grupo evangélico tem postura própria, mas vale a lei brasileira. Quem está à frente das comunidades não deve usar o púlpito e a celebração para fazer campanha. O povo tem direito. Os clérigos devem se abster. Não podemos dividir o Brasil em quem votou em Lula ou em Bolsonaro”.
7. A democracia no Brasil hoje corre riscos? O Brasil atravessou crises fortes desde a redemocratização e as superou. Creio que vamos superar essa crise atual, que não é só brasileira, é mundial. É uma crise, mais do que política, cultural. Tenho esperança de que o Brasil vá manter o regime democrático. Há fatores de risco, mas nossas instituições estão fortes.
8. Que riscos? Quando um poder do Estado tenta controlar os outros. E existe risco também quando existe um acirramento ideológico tal na sociedade que se perde o bom senso e se parte para a violência.
9. O senhor recebeu ataques nas redes e chegou a dizer que eles lhe lembram a ascensão do fascismo. Por quê? Os regimes fascistas sempre criminalizaram os adversários, com a pretensão de serem um pensamento único. Criminalizaram a liberdade de expressão, manipularam a opinião pública. Há um risco de um certo personalismo do poder, quando não estão mais em evidência a instituição e suas regras, mas sim o salvador da pátria. O Brasil não é ditadura nem império. Pretender que o presidente tenha todos os poderes é compreensão equivocada de democracia.
10. O senhor precisou explicar até que as vestes vermelhas dos cardeais nada têm a ver com o comunismo. Por quê? Elas são vermelhas desde muito antes de existir qualquer partido ou comunismo (risos). Alguns estão tão obcecados que veem o que querem.