Segunda-feira, 20 de outubro de 2025

China manda ao Brasil meio milhão de encomendas por dia, desafio para a fiscalização de plataformas

Advogados tributaristas avaliam que, mantida a isenção de tributos nas compras abaixo de US$ 50 entre pessoas físicas, o governo terá que aperfeiçoar seu sistema de fiscalização, inclusive usando inteligência artificial para evitar fraudes e chegar à arrecadação estimada de até R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões.

Mas esse processo não será fácil, pode travar as importações, dado o volume de pacotes que chega diariamente ao país (estima-se em 500 mil apenas da China), e tornar a operação ainda mais burocrática.

Aristóteles de Queiroz Camara, sócio do Serur Advogados, diz que a tributação das compras abaixo de US$ 50 era uma medida que visava a proteger o mercado nacional. Ele lembra que essa isenção existe apenas para compras entre pessoas físicas, mas vinha sendo usada de forma desvirtuada para favorecer a importação feita com empresas, por isso a concorrência desleal com companhias nacionais.

“Sendo mantida a isenção, a solução se volta a aperfeiçoar a fiscalização para evitar que a isenção continue sendo desvirtuada. Essa é uma medida complexa diante da quantidade de importações que ocorrem diariamente. Uma possível solução para o problema é o investimento em inteligência artificial para identificar a origem e valor do produto para combater os abusos”, afirma.

Para Sandra Lopes, sócia da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados, o processo de importação pode travar com a fiscalização que será feita pelo governo, a partir de julho, dado o volume de pacotes que chega ao Brasil.

Na prática, diz a advogada, aumenta a burocracia para essa operação. “Certamente vai atrapalhar o processo. Será preciso meses para uma adaptação e avaliação se na prática essa fiscalização vai dar certo. Será preciso um sistema informatizado eficiente”, diz a advogada.

Volume incompatível com fiscalização

Júlio César Machado, do escritório Briganti Advogados, diz que a fiscalização não será suficiente para acabar com a concorrência desleal, já que o volume de operações é incompatível com o contingente da Receita Federal. Considerando que são pacotes fechados, que muitas vezes exigem a conferência manual, dificilmente haverá uma atuação efetiva.

Para ele, a revogação da tributação das compras até US$ 50 é indiferente pois a isenção atualmente vigente é apenas para encomendas de pessoa física para pessoa física:

“Como o foco do governo é coibir as entradas fraudulentas das empresas do comércio digital que se passam por pessoa física e adulteram os valores dos produtos nas notas fiscais, a taxação prejudicaria diretamente aqueles que atuam na legalidade. A eliminação da regra de isenção seria apenas uma forma de facilitar o trabalho da Receita Federal, que poderia aplicar a taxação de forma indistinta, sem analisar os pacotes individualmente. A lei vigente já é suficiente para punir as operações focadas pelo governo, mas o que falta é a fiscalização adequada.”

Para ele, a fiscalização precisa ser direcionada às empresas e não para cada encomenda individual:

“Se o governo não mudar o procedimento para atuar e fiscalizar diretamente as empresas envolvidas ou criar formas alternativas de tributação, certamente teremos um travamento das importações, sem o resultado prático buscado pelo governo.”

Marcello Marin, da Spot Finanças, empresa especializada em contabilidade e gestão financeira, também concorda que a fiscalização não vai ser suficiente para encerrar a concorrência desleal. Ele diz que a taxação seria importante porque a isenção ajuda muito as empresas asiáticas:

“A fiscalização deveria ser enorme, com muitas pessoas, tecnologia empregada, mas a questão é fazer isso de forma eficiente e que não trave o processo. O governo fez essa medida sem planejamento, que provavelmente foi o fator decisivo na hora de voltar atrás da decisão.”

Recuo “lamentável”

Diretor do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar), Claudio Felisoni ressalta que a desistência de taxação foi para evitar desgaste político do governo, mas também resulta em uma consequência ruim:

“A decisão comunica além dos limites do mercado uma preocupação exagerada em não ferir suscetibilidades que possam diminuir a aprovação do governo. O próprio ministro da Fazenda declarou que vai ficar difícil e que os R$ 8 bilhões vão fazer falta. A manifestação política vai na contramão do que se espera no lado fiscal.”

Segundo Guilherme Mercês, diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio (CNC), falta consistência na defesa de empresas brasileiras:

“O desenho de políticas públicas em prol da competitividade das empresas brasileiras precisa ser perene, não motivada por aumento de arrecadação e não por pressões específicas. A concorrência desleal acontece em alguns casos no comércio digital, algumas empresas pagam imposto e outras não e o consumidor se vê incentivado a consumir na que não paga imposto. De uma maneira geral, se o foco era o fim da concorrência desleal, o recuo na revogação do fim da isenção é lamentável.”

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