Sábado, 05 de outubro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 25 de março de 2024
Era março de 2023, pouco mais de dois meses após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomar posse, quando o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se reuniu com cerca de 150 familiares de pessoas que foram vítimas da ditadura militar.
Na ocasião, ele disse às famílias que já havia deliberado sobre a recriação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e que faltava apenas a decisão de Lula.
Mais de um ano depois, a situação segue inalterada e não há perspectivas de que o colegiado volte a funcionar no curto prazo.
A comissão, criada em 1995 com o objetivo de reconhecer pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura e despachar sobre pedidos de indenização de familiares, foi extinta no final do governo Jair Bolsonaro (PL), quando faltavam 15 dias para o ex-presidente deixar o Palácio do Planalto.
Com a chegada de Lula ao governo, Almeida anunciou que a recriação do colegiado era uma das principais metas da sua gestão. Mas, com o passar do tempo, a proposta elaborada pela pasta dos Direitos Humanos travou na Esplanada dos Ministérios, onde ministros atribuem uns aos outros a responsabilidade pela inexistência do órgão. A Casa Civil alegou que processo precisa passar por diferentes fases de discussão.
“Passado”
Em entrevista concedida no mês passado à Rede TV, o presidente Lula declarou que não quer “ficar remoendo o passado”. Lula se referia à efeméride de 60 anos do golpe militar, que acontecerá nos dias 31 deste mês e 1º de abril.
Ele argumentou na ocasião que o golpe de 1964 “faz parte” do passado”, que “quer tocar o País para frente” e que se preocupa mais com a tentativa de golpe ocorrida em janeiro de 2023 do que com a efetivada décadas atrás.
O Ministério dos Direitos Humanos, por exemplo, teve que desfazer os preparativos de um evento que aconteceria no dia 1º de abril no Museu Nacional da República.
O petista se alinha a declarações recentes de militares, como o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo. Em entrevista ao jornal O Globo, ele afirmou que a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos é “completamente desnecessária” e seria equivalente a “olhar para o retrovisor”.
Para Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, Ivo Herzog, presidente do Conselho do instituto que leva o nome do pai, assassinado pela repressão política durante a ditadura, “só aquelas pessoas que não têm orgulho do seu passado querem que as histórias não sejam contadas”. “Se as pessoas têm orgulho do seu passado, não devem nada, elas deveriam apoiar que a nossa história fosse contada”, disse.
Minuta
O Ministério dos Direitos Humanos elaborou uma minuta de decreto que estabelece “as medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento” da comissão. O texto foi submetido à análise técnica da Advocacia-Geral da União (AGU) e dos ministérios da Defesa e da Justiça ainda em 2023.
A proposta elaborada pela equipe de Almeida colheu pareceres favoráveis das três pastas. Nem mesmo a área ligada aos militares apresentou resistência: “A análise do mérito apontou que não há impedimentos jurídicos para a reativação do grupo”, atestou a Defesa. Mesmo assim, o projeto empacou na Casa Civil.
A área chefiada pelo ministro Rui Costa não explicou o que impediu a instalação do colegiado no primeiro ano do governo Lula e ainda atribuiu a paralisia do processo a um fato ocorrido somente em 2024. De acordo com a Casa Civil, o parecer elaborado pelo Ministério da Justiça durante a gestão do ex-ministro Flávio Dino não vale mais.
“É necessário aguardar o pronunciamento do novo titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Ricardo Lewandowski) acerca da concordância com o conteúdo proposto”, alegou a pasta. O atual ministro tomou posse no dia 1º de fevereiro deste ano.
A pasta ligada à Presidência ainda disse que será feito um “balanço interno dos atos desenvolvidos previamente pela Comissão, até a sua extinção”.
Procuradores
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou no último dia 7 de março uma recomendação ao Ministério dos Direitos Humanos para que o colegiado seja recriado em 60 dias. “Os trabalhos da CEMDP devem prosseguir para permitir a perfeita execução das condenações impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil”, diz o documento. A expectativa dos procuradores é a mesma das famílias: que sejam identificadas causa e local do sepultamento dos corpos dos 144 mortos durante o regime.
O Ministério Público Federal declara ainda que a extinção do colegiado impediu o cumprimento integral dos seus objetivos, como o recolhimento dos restos mortais de integrantes da Guerrilha do Araguaia. E recomendou que sejam destinados recursos para a retomada dos trabalhos.
De acordo com a Casa Civil, “qualquer matéria em discussão no governo tem seu rito e precisa passar por diferentes fases de discussão. Diante disso, é incorreto supor que uma proposta, ao chegar na Casa Civil, será automaticamente aceita sem que seja garantida a possibilidade de ampla manifestação de todos os atores envolvidos”.