Domingo, 09 de novembro de 2025

Como a China quer exportar “trânsito silencioso” para o mundo a partir do Brasil

O trânsito é intenso na avenida de seis pistas que corta um dos bairros mais nobres da capital chinesa, Pequim. É uma cena típica de qualquer megalópole, salvo por um detalhe: tudo parece se passar em mute: não há os esperados sons de motores e escapamentos.

O bem-estar provocado pela óbvia falta de ruído no tráfego é o primeiro sinal percebido por quem visita Pequim de que o trânsito no país passou por uma revolução literalmente silenciosa na última década. Uma revolução que a China vem tentando exportar para o Ocidente a partir de países como o Brasil.

Ao menos duas das mais bem-sucedidas empresas chinesas do ramo — a BYD e a Great Wall Motors — desembarcaram recentemente no País anunciando investimentos bilionários. O movimento tem potencial para ser o mais robusto plano de produção automobilística elétrica chinesa fora da China.

O interesse das montadoras chinesas no Brasil alia motivos geopolíticos, econômicos e tecnológicos. Em 2021, o Brasil já era o maior destino estrangeiro de investimentos chineses no mundo.

Para Pequim, é mais do que uma oportunidade de avançar sobre um mercado promissor e ainda não explorado. É também a chance de abrir dianteira na disputa com os Estados Unidos por parcerias tecnológicas com o Brasil para produção de itens essenciais como chips e pela exploração de reservas brasileiras de minerais críticos, como lítio e metais de terras raras.

O que foi feito

Em 2022, quando a venda global desse tipo de veículo atingiu o recorde de 10 milhões de unidades, a China foi responsável por 60% delas — e já bateu a meta estabelecida pelo próprio governo para 2025. Em comparação, os EUA responderam por apenas 8% das vendas em 2022, segundo os dados da Agência Internacional de Energia.

“Há 15 anos, o governo chinês decidiu se diferenciar indo na eletrificação, investindo no desenvolvimento de baterias”, diz Cássio Pagliarini, consultor automotivo da Bright e ex-diretor de marketing da Hyundai.

A ideia não era só aumentar a presença no setor automotivo — o governo chinês percebeu que o investimento poderia ajudar o país a reduzir os índices de poluição de suas cidades e engrossar sua política climática, além de limitar a dependência da importação de petróleo e ajudar a economia após a crise de 2008.

A China começou a criar pesados incentivos fiscais aos eletrificados e híbridos e a firmar volumosos contratos estatais para transporte público verde, em um processo que segue em curso.

Em junho deste ano, a China anunciou o plano mais ambicioso de impulsionamento do setor automobilístico verde: serão US$ 72,3 bilhões em pacote de incentivos fiscais ao longo de quatro anos.

De outro lado, Pequim aplicou tributos sobre os veículos a combustão. O emplacamento de um carro a gasolina no país custa algumas dezenas de milhares de dólares e pode levar anos para ser aprovado. Já os elétricos estão isentos de qualquer burocracia ou custo para circular.

“A BYD e a GWM, que são grandes, já estão chegando no Brasil, mas sabemos de ao menos outras duas ou três montadoras chinesas que estudam entrar no mercado em breve”, afirmou Pagliarini, que alegou motivos contratuais para não abrir os nomes das fabricantes que lhe fizeram consultas.

Mercado brasileiro

Há pouco mais de uma semana, a BYD anunciou que fará um investimento inicial de R$ 3 bilhões em uma planta industrial em Camaçari, na Bahia, e que “não poupará recursos para assumir a liderança na venda de veículos no país.”

A planta, que pertencia à americana Ford, mas cuja operação se encerrara em 2021, foi alvo de uma intensa negociação entre chineses e americanos ao longo dos últimos 9 meses.

Na prática, a fábrica se tornou um símbolo de uma disputa geopolítica maior entre EUA e China por influência em mercados globais relevantes. A transação, fechada por cerca de R$150 milhões, ainda não foi oficializada publicamente pelas partes.

No entanto, é considerada tão certa que já motivou o envio de mais de 40 mil currículos de metalúrgicos e funcionários administrativos para a empresa chinesa (a expectativa é de geração de até 5 mil empregos diretos no auge da operação fabril).

As reformas na planta devem começar nas próximas semanas e a expectativa da BYD é que seus primeiros modelos com DNA brasileiro cheguem ao mercado até o final do ano que vem.

“Em cinco anos, esperamos estar entre as três maiores montadoras do Brasil, com uma entrega de 300 mil novas unidades por ano e com 70% de cada uma delas com conteúdo brasileiro”, diz Alexandre Baldy, conselheiro da BYD no Brasil.

Além do modelo 100% elétrico batizado de Dolphin, a empresa produzirá no Brasil o Song Plus, um híbrido que, na versão brasileira, deverá ter motor a combustão totalmente movido a etanol.

A GWM e a BYD trabalham com a perspectiva de produção de diversas partes do veículo, inclusive de baterias, com fornecedores brasileiros. Nos planos das montadoras estaria até mesmo a possibilidade de apoiar a exploração de lítio no país, mineral também alvo de interesse das maiores potências mundiais.

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Economia

Polícia Federal e Receita Federal apertam cerco a traficantes que escondem drogas em cascos de navios
Em meio a onda de calor, Hemisfério Norte tem alertas de autoridades e risco de novos recordes de temperatura
Pode te interessar
Baixe o app da TV Pampa App Store Google Play