Sábado, 27 de julho de 2024

Como o Japão está redefinindo o significado de estupro

O Parlamento japonês está debatendo um projeto de lei histórico para reformular as leis de agressão sexual do país. O projeto de lei abrange uma série de mudanças, mas a maior e mais significativa será ver os legisladores redefinirem o significado de estupro, passando de “relação sexual forçada” para “relação sexual não consensual”, abrindo efetivamente um espaço legal para o consentimento em uma sociedade na qual esse conceito ainda é pouco entendido.

A legislação japonesa atual define o estupro como uma relação sexual ou atos indecentes cometidos “à força” e “por meio de agressão ou intimidação”, ou se aproveitando do “estado inconsciente ou da incapacidade de resistir” de uma pessoa. Esse conceito contrasta com o de muitos outros países que definem o estupro de forma mais ampla, como qualquer relação ou ato sexual não consensual — em que “não” significa “não”.

Ativistas argumentam que a definição limitada do Japão levou a interpretações ainda mais restritas da lei por promotores e juízes, estabelecendo um padrão impossivelmente alto para a justiça e fomentando uma cultura de ceticismo que impede as vítimas de denunciar os ataques.

Em um caso de 2014 em Tóquio, por exemplo, um homem colocou uma garota de 15 anos contra a parede e fez sexo com ela enquanto ela resistia. Ele foi absolvido de estupro porque o tribunal decidiu que as ações dele não tornavam “extremamente difícil” para ela resistir.

A adolescente foi tratada como adulta porque a idade de consentimento no Japão é de apenas 13 anos —a menor entre as democracias mais ricas do mundo.

“Os atuais processos e decisões judiciais variam —alguns réus não foram condenados, mesmo que seus atos fossem provados como não consensuais, pois não atenderam ao caso de ‘agressão ou intimidação’”, afirma Yuu Tadokoro, porta-voz da Spring, um grupo de sobreviventes de agressão sexual.

Processos

No Japão, apenas um terço dos casos reconhecidos como estupro resultam em processos, um pouco abaixo da taxa geral de processos criminais. Mas tem havido um crescente clamor público por mudanças.

Em 2019, a sociedade japonesa ficou indignada quando uma série de quatro casos de agressão sexual, cada um resultando na absolvição do suposto agressor, vieram à tona em um mês. Em Nagoya, um pai fez sexo com a filha adolescente repetidamente por muitos anos, e o tribunal duvidou que ele tivesse “dominado completamente” a filha porque ela foi contra a vontade dos pais ao escolher uma escola para frequentar, embora um psiquiatra tenha testemunhado que ela era, em geral, psicologicamente incapaz de resistir ao pai.

Ativistas dizem que casos assim, aliado ao crescente movimento #MeToo e à histórica vitória judicial da jornalista japonesa Shiori Ito envolvendo uma denúncia de estupro, ajudou a promover o debate nacional sobre agressão sexual e deu início ao processo de reforma na legislação.

Como parte da redefinição de estupro, a nova lei estabelece explicitamente oito cenários em que é difícil para a vítima “formar, expressar ou cumprir com a intenção de não consentir”.

Incluem situações em que a vítima está embriagada com álcool ou drogas; ou sujeita a violência ou ameaças; ou está “assustada ou atônita”. Outro cenário parece descrever um abuso de poder, em que a vítima fica “preocupada” por enfrentar algum tipo de desvantagem se não obedecer.

A idade de consentimento também vai aumentar para 16 anos, e o prazo de prescrição vai ser estendido.

Proteção às vítimas

Alguns grupos de direitos humanos pediram mais clareza sobre os cenários, argumentando que foram redigidos de forma muito ambígua. Eles também temem que tornem mais difícil para os promotores provar as acusações. Outros disseram que prazo de prescrição deveria ser ampliado ainda mais — e que deveria haver mais proteção para vítimas menores de idade.

No entanto, se aprovadas, as reformas marcariam uma vitória para aqueles que há muito tempo fazem lobby por mudanças.

“Pelo próprio fato de que eles estão mudando até mesmo o título desta lei, esperamos que as pessoas comecem esta conversa no Japão com: O que é consentimento? O que significa não consentimento?”, diz Kazuko Ito, vice-presidente da ONG Human Rights Now, com sede em Tóquio.

Mas o tempo está se esgotando. O Parlamento do Japão precisa aprovar a nova lei até 21 de junho, mas está atualmente envolvido em um debate sobre imigração.

Perder esse prazo colocaria as reformas relacionadas à agressão sexual num caminho incerto. Na semana passada, ativistas denunciaram o atraso como “inaceitável” e pediram aos legisladores que agissem imediatamente.

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