Sexta-feira, 13 de junho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 12 de junho de 2025
Vivemos um tempo de tensões políticas exacerbadas, em que as palavras “direita” e “esquerda” perderam parte de sua capacidade de organizar a imaginação coletiva, transformando-se, muitas vezes, em armas retóricas de deslegitimação mútua. Há quem diga que essas categorias estão superadas. Outros defendem que apenas um dos polos é legítimo. Ambas as posturas, porém, incorrem num erro grave: ignoram que direita e esquerda não são patologias da democracia — são sua própria estrutura vital.
A tensão entre ordem e mudança, entre liberdade e igualdade, está no coração das sociedades modernas. A direita cumpre historicamente o papel de preservar instituições, valores e hierarquias; a esquerda, por sua vez, questiona desigualdades e impulsiona transformações.
Essa dialética é o motor da própria democracia. Suprimir um dos lados não fortalece o sistema democrático — enfraquece-o, empurra-o para formas diversas de autoritarismo e sectarismo.
No entanto, o mundo contemporâneo vive um esgarçamento desse equilíbrio. O enfraquecimento das mediações sociais — partidos, sindicatos, associações e instituições comunitárias — abriu caminho para fenômenos que combinam hiperindividualização, volatilidade social e, paradoxalmente, um retorno agressivo de identitarismos fechados e populismos reativos.
É nesse contexto que emerge a proposta do comunitarismo, defendida por pensadores como Amitai Etzioni. O comunitarismo propõe que uma sociedade democrática não pode se sustentar apenas sobre os pilares da liberdade individual e dos direitos civis. É preciso resgatar e fortalecer os vínculos comunitários, promover responsabilidades coletivas e criar uma cultura ética que valorize não só o eu, mas também o nós.
Trata-se de um chamado à construção de uma sociedade responsiva — aquela cujos padrões morais e institucionais refletem as necessidades básicas de todos os seus membros. Não se trata de substituir os direitos individuais, mas de articulá-los com deveres sociais, buscando equilíbrio entre autonomia pessoal e coesão coletiva.
Essa proposta guarda evidentes semelhanças com a “terceira via” de Anthony Giddens, que tentou, na virada do século, conciliar o dinamismo dos mercados com políticas de proteção social. Contudo, o comunitarismo avança além da mediação econômica e institucional. Ele toca na própria constituição moral da vida em sociedade, na reconstrução do tecido social que foi corroído pela lógica do consumo, pela precarização das relações e pela desconfiança nas instituições.
Mas seria o comunitarismo, então, uma superação definitiva da dicotomia entre direita e esquerda? A resposta precisa ser dialética: ao mesmo tempo sim e não. Sim, na medida em que ele desloca a discussão para um outro patamar — o da reconstrução dos vínculos sociais e da corresponsabilidade cidadã. E não, porque não há projeto comunitário possível que não enfrente, internamente, as mesmas tensões entre liberdade e igualdade que estruturam qualquer sociedade democrática.
O comunitarismo, como proposta, carrega seus próprios riscos. Quando mal-conduzido, pode degenerar em comunitarismos fechados, exclusivistas, pautados por identidades rígidas, nacionalismos exacerbados e rejeição do outro. Quando bem conduzido, pode oferecer uma via regeneradora, que combine pertencimento, diversidade e compromisso social.
Portanto, a verdadeira questão não é se superamos direita e esquerda — porque essa dialética não se extingue, apenas se reinventa. A questão central é como reconstruímos comunidades capazes de serem, simultaneamente, espaços de proteção e abertura, de coesão e pluralidade. Comunidades que não sejam trincheiras de medo e exclusão, mas laboratórios vivos de uma democracia que se nutre, cotidianamente, do equilíbrio difícil entre liberdade, igualdade e fraternidade. O que está em jogo não é a eliminação do conflito, mas sua administração civilizada. E é exatamente nesse espaço — entre o eu e o nós — que o comunitarismo pode ter algo valioso a oferecer.
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