Quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 27 de maio de 2023
Ministros da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deram ganho de causa a condomínios de Santa Catarina para que possam penhorar e leiloar imóveis com dívidas pendentes mesmo quando financiados no âmbito de contratos de alienação fiduciária. A decisão contraria uma jurisprudência consolidada (há anos) a favor dos bancos.
Por alienação fiduciária entende-se a modalidade de garantia mais utilizada nesse tipo de financiamento: a garantia é o próprio bem e se o cliente não concluir a quitação, a instituição financeira pode tomá-lo.
Houve maioria de votos (o relator, Marco Buzzi, foi vencido). O colegiado entendeu que, por uma questão social, o imóvel pode ser leiloado, já que a inadimplência prejudica outros moradores. Além disso, considerou-se que esse tipo de dívida tem natureza “propter rem” (ou seja, está atrelada ao imóvel, independentemente de quem seja o dono).
O julgamento da 4ª Turma se alinha ao entendimento adotado por alguns Tribunais de Justiça, como os do Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul.
A 4ª Turma analisou recurso do Condomínio Residencial Australis Easy Club, de Joinville (SC), contra decisão do Tribunal de Justiça catarinense. Os desembargadores entenderam pela impossibilidade da penhora pelo fato de o imóvel estar atrelado a um contrato de alienação fiduciária.
No início do julgamento, voto do relator – favorável aos bancos – indicava que seria mantida a jurisprudência do STJ – tanto da 3ª quanto da 4ª Turmas. Para o ministro Marco Buzzi, a impossibilidade de penhora do bem, alienado fiduciariamente, justificaria-se pelo fato de não pertencer ao devedor.
Mas prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Raul Araújo. Ele entendeu que o proprietário fiduciário não poderia ter mais direitos que o proprietário comum, que pode ter o imóvel penhorado em caso de dívida de condomínio:
“Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo devedor fiduciário, quem terá que arcar serão os demais condôminos, o que não é justo e não é correto”.
Conforme o ministro, a impossibilidade de penhora deixaria o devedor fiduciante em uma situação confortável. E, por outro lado, o credor fiduciário também se sentiria tranquilo. Receberia pelo empréstimo e não seria importunado por eventual dívida de condomínio.
Em seu voto, o ministro Raul Araújo propôs que fosse determinada a penhora do imóvel e a citação do banco, para verificar se, apesar de não fazer parte do processo, teria interesse em quitar a dívida de taxas de condomínio para não perder o imóvel ou parte dele em leilão.
O entendimento foi seguido pelos ministros João Otávio de Noronha, Antonio Carlos Ferreira e Maria Isabel Galotti. Ela também entendeu que poderia haver responsabilidade pela dívida de condomínio tanto do devedor fiduciário quanto do real proprietário (banco).
A ministra reconheceu que existem diversos precedentes no STJ em sentido contrário, inclusive de sua relatoria. “Mas isso seria ignorar o caráter ‘propter rem’ da dívida do condomínio nos contratos de alienação fiduciária, em detrimento da coletividade dos condôminos.”
Riscos
Para a advogada Kelly Durazzo, a mudança de entendimento causa insegurança ao crédito imobiliário. Ela avalia que a Lei nº 9.514/1997, que institui a alienação fiduciária, é clara ao estabelecer que a propriedade do imóvel é do banco, até a quitação. Por isso, não poderia ir a leilão um imóvel que não é do devedor. Kelly sublinha:
“Essas decisões podem prejudicar o setor imobiliário, já que os bancos vão naturalmente tornar o crédito mais restritivo ou mais caro para compensar o risco. Se esse entendimento for consolidado pelo STJ, os bancos terão que passar a controlar o pagamento de taxas de condomínio e eventualmente tomar o imóvel.
O artigo 26, parágrafo 1º, da Lei nº 9.514, de 1997, afirma que o fiduciante pode ser intimado a pedido do fiduciário (banco) para quitar, no prazo de 15 dias, além das prestações dos imóveis, os tributos e as dívidas de condomínio.
Conforme advogado Melhim Chalhub, o assunto é controvertido. Para ele, somente seria passível de penhora o direito real de aquisição, ou seja, a parte que o devedor pagou no imóvel: “Quem arremata um imóvel em leilão deveria assumir o contrato de alienação fiduciária e quitar o restante da dívida. Porém, seria difícil achar interessados”.
Já para seu colega Marcelo Tapai, a nova decisão é acertada: “O banco afirma não pode ficar só com o bônus da lei de alienação fiduciária, sendo preciso que também arque com o ônus. Assim como quem aluga o seu imóvel fica sujeito a leilão caso o locatário não quite o condomínio, acrescenta, o mesmo deve acontecer com bancos. Ou poderia também quitar a dívida de condomínio, como sugerido no julgamento, e depois entrar com ação regressiva contra o devedor”.