Domingo, 13 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 12 de julho de 2025
Conhecidos como “panelas”, os grupos fechados em redes sociais usados para produção e consumo de conteúdos de extrema violência têm funcionado como hubs criminais, em que adolescentes são cooptados para uma série de delitos. A Polícia Civil de São Paulo, em parceria com órgãos de outros Estados, apreendeu neste mês oito jovens integrantes dessas comunidades, apontados como responsáveis por realizar e incitar ataques a moradores de rua, estupros virtuais e automutilações.
Essas turmas funcionam em especial no Discord, plataforma de mensagens frequentada por praticantes de games, mas têm ramificações em redes como o Telegram. Reúnem criminosos digitais especializados em diferentes ilicitudes. Além das práticas violentas, a venda de dados pessoais e as fraudes de cartões de crédito — ações antes restritas à chamada “dark web” — também são observadas por pesquisadores e delegados.
Um adolescente brasileiro que mora na França foi apontado como financiador e orquestrador de agressões a moradores de rua. Com boa condição financeira, ele oferecia dinheiro para membros das panelas praticarem automutilação e violência contra vulneráveis.
O cumprimento de desafios é uma prática antiga nos grupos, mas os pagamentos são recentes. No caso desse jovem que vive na Europa, a delegada Lisandréa Salvariego, coordenadora do Núcleo de Observação e Análise Digital da Polícia Civil, explica que o uso de recursos financeiros era uma forma de o rapaz alcançar prestígio nas panelas: “Ele visava ao poder, adorava ser temido”.
Chefe da unidade da Polícia Federal (PF) especializada na repressão a crimes cibernéticos de ódio, Flávio Rolim cexplica que alguns “paneleiros” miram também ganhos financeiros, ao pagarem pela produção de materiais de abuso: “Eles entenderam, infelizmente, que esse tipo de material pode ser vendido posteriormente. Os valores oferecidos passam de R$ 1 mil”.
Leque criminal
As “panelas” chamaram a atenção pela violência observada nas transmissões ao vivo, também apelidadas de “lulz“, nome dado aos atos de crueldade vistos como entretenimento pelos integrantes. Além das lives, outros crimes rodam nos chats. Leandro Louro, pesquisador da Universidade Federal do Rio (UFRJ), ressalta:
“Você vê todo tipo de esquema, desde comercialização de notas falsas a cartões clonados. Eles usam habilidades de programação para praticar extorsão e obrigar (os jovens) a fazerem o que quiserem. Chamam isso de “ter um escravo”, por exemplo”.
Lisandréa conta que um menor de 17 anos, que mora em Pernambuco, foi mentor intelectual de atos de violência que fizeram ao menos 200 vítimas e era especialista na invasão de sistemas bancários. “Ele fazia dívidas nos cartões de crédito dos pais das vítimas”, acrescenta.
Rolim lista outras atividades, como o compartilhamento de manuais suicidas e que ensinam a confeccionar bombas. “Naquele ambiente, claramente houve uma maturação criminal de várias pessoas”. A fala é de um jovem de 20 anos, estudante de Direito que viu o surgimento das panelas no Discord, em especial durante a pandemia, e se afastou quando a brutalidade extrema virou regra. “O cara começa com coisas como racismo e ameaças e depois está armazenando e compartilhando pornografia infantil, torturando animais, esse tipo de coisa”, descreve.
Outro rapaz, de 18 anos e que recentemente deixou de participar dos grupos, conta que impera nesse meio um desejo de reconhecimento, como aparecer em canais do YouTube dedicados a contar a história de usuários conhecidos pela crueldade. “Olham como a oportunidade de ganhar um cargo”, diz.
“É um projeto misantrópico, um ódio a todos, à sociedade como um todo. Esses adolescentes têm traços de antissocialidade e um desprendimento das leis, uma predisposição para cometer crimes, seja lá qual for”, destaca Louro.
O psiquiatra forense Hewdy Lobo Ribeiro aponta que é possível observar um padrão entre os adolescentes cooptados por grupos extremistas. De um lado, existe a figura dos que exercem papéis de liderança e, do outro, os que são manipulados. “Esses líderes tendem a ser pouco executores e mais ordenadores. São crianças e adolescentes com incapacidade de empatia, de se colocar no lugar do outro”.
Ribeiro observa que a maioria dos que ingressam nos grupos, quando percebe o grau de violência das comunidades, opta por deixar as panelas. Os que se tornam frequentadores, por opção ou ameaças, costumam apresentar sinais que podem servir de alerta a todos os pais, como mudança abrupta no desempenho escolar, diminuição do tempo disponível para a família, perda de interesse em atividades de lazer externas como esportes e oscilações no humor. (com informações de O Globo)