Segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Covid: Quem mentiu e quem falou a verdade

Um dos maiores infectologistas do País, conhecido por sua atuação em epidemias marcantes como as da Aids e da covid-19, David Uip chega aos 50 anos de carreira com preocupações que vão além das doenças infecciosas e da saúde de seus pacientes.

Uma das principais vítimas de ataques e perseguições durante a pandemia do coronavírus, quando comandou o Centro de Contingência da covid-19 do governo paulista, Uip demonstra inconformismo diante do avanço do negacionismo científico, mesmo após a pior crise sanitária dos últimos cem anos. Também diz estar assustado com a escolha de parte da nova geração de médicos de buscar sucesso não com especialização e residência, mas por meio da atuação nas redes sociais, muitas vezes disseminando conteúdo sem embasamento científico.

Em entrevista ao Estado de S. Paulo, o médico, hoje Diretor Nacional de Infectologia da Rede D’Or e reitor do Centro Universitário FMABC (Santo André), relembrou momentos marcantes das principais epidemias que enfrentou na linha de frente e detalhou o impacto pessoal e familiar das ameaças e perseguições sofridas durante a pandemia de coronavírus por parte dos opositores da vacina e do distanciamento social.

“Na covid foi desumano. Ameaçaram meus filhos e meus netos, invadiram a minha clínica, tentaram invadir a minha casa. Perdi metade da minha clínica, pessoas me ligavam falando: ‘Eu te odeio, quero que você morra’.”, contou Uip, que disse sempre acreditar que “a História iria contar” quem estava certo e errado. “Dito e feito. A História contou e está contando”.

1. No caso da covid-19, além do medo da doença (Uip foi infectado logo no início da pandemia) e do trabalho frenético à frente do Centro de Contingência do Coronavírus do governo de São Paulo, o senhor também sofreu bastante com perseguições e ameaças, inclusive contra a sua família. Isso foi pior do que lidar com o próprio vírus?

Eu sou casca dura, já passei por muita coisa, mas tive duas situações dramáticas nesse sentido. Uma quando fui diretor executivo do Incor e juntei a presidência da Fundação Zerbini. Fui ameaçado, extorquido, perseguido. Para você ter ideia, eu recebi e-mails falando ‘olha, a tua filha que está grávida mora no Guarujá e vai ser morta’. E eu saía correndo para ver onde estava a minha filha. Fui ameaçado de maio a dezembro. A polícia pegou, e eles pegaram penas de 5 anos e 4 meses. Eu incomodei pessoas, esquemas, peguei esquemas e denunciei. E responderam assim.

E na covid foi desumano. Ameaçaram meus filhos e meus netos, invadiram a minha clínica, tentaram invadir a minha casa. Eu tenho uma filha que as filhas estudam em uma escola católica e as mães têm um grupo de orações. Esse grupo foi invadido por uma tia, irmã de uma mãe, que falou: ‘Olha, essa David é um desgraçado, tem que morrer’. Essa minha filha ficou 24 horas chorando. Eu perdi metade da minha clínica, pessoas me ligavam falando: ‘Eu te odeio, eu quero que você morra’. Uma coisa inacreditável.

Nós fizemos o que era melhor e o que era possível. Então, não tem o menor sentido tudo o que aconteceu. E o pior é que não acabou. Ainda hoje, vem gente aqui no consultório me questionar. Veio um grande empresário e falou: ‘Graças a você, nós quase quebramos’. Eu falei: ‘Eu conheço bem você e seus três irmãos. Teu pai tá vivo?’ Ele falou: ‘Está’. Eu falei: ‘É disso que nós estamos falando. O distanciamento e a vacina salvaram muitas pessoas, inclusive teu pai’.

2. Ao mesmo tempo que temos a responsabilização de pessoas que disseminam desinformação, o negacionismo ganha força em alguns contextos, como nos Estados Unidos, com o governo Trump. Como avalia esse cenário global?

Eu volto a falar: a História vai contar. E paga o preço do que é certo e errado. Recentemente me perguntaram: ‘O que você acha das pessoas que são contra a vacina?’ Para mim é fácil de resolver: precisa ser processado, culpado e preso. Porque você não está discutindo só uma questão pessoal, é um bem social. Aqui no consultório, eu tenho paciente que paga uma consulta para me contestar. É inacreditável.

Não precisa nem ser conhecedor para ver o que aconteceu com as vacinas. Vimos sarampo voltando. Estamos vendo doenças tidas como controladas voltando. Agora, eu imagino como é que pais podem tomar a decisão de não vacinar seus filhos. Esse pessoal não viu o que eu vi: a paralisia infantil, crianças morrendo de sarampo. Não dá para entender, ainda mais quando eu vejo que, por trás disso, está uma opção política.

Eu nunca discuto as opções políticas de cada um, como também não tenho nenhum prazer em ver as pessoas presas. Mas o que eu acho é que a vida vai responsabilizar todo mundo. Se não é agora, é daqui a pouco. A covid foi um exemplo marcante. As pessoas me perguntam: no que vocês erraram? Nós não erramos.

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