Domingo, 09 de novembro de 2025

Criadas para apoiar políticas públicas de alcance nacional, como programas de saúde, e meio ambiente, as emendas se distanciaram de sua função original e se consolidaram como uma das principais moedas de barganha política na Câmara dos Deputados

As emendas de comissão se distanciaram de sua função original e se consolidaram como uma das principais moedas de barganha política na Câmara dos Deputados. Com execução não obrigatória, essa modalidade concentra R$ 11,5 bilhões, dos R$ 50,3 bilhões autorizados em emendas em 2025 e passou a servir para acomodar aliados por meio de repasses pulverizados em milhares de municípios. Parte das transferências segue sem identificação dos parlamentares responsáveis, em desacordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou transparência total nas emendas.

Especialistas e técnicos do orçamento afirmam que o avanço das emendas de comissão reconfigura o antigo orçamento secreto, marcado pela falta de transparência e pelo uso político dos recursos. Essa modalidade de emenda, explicam, mantém a mesma lógica de distribuição, concentrando poder no comando da Câmara e nas comissões mais estratégicas. Parlamentares, por sua vez, afirmam que parte das indicações ainda carece de transparência, o que dificulta o rastreamento de quem efetivamente direciona o dinheiro público.

Para o pesquisador Humberto Nunes Alencar, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), o poder político sobre as emendas de comissão decorre do próprio funcionamento interno da Câmara. Cabe ao presidente da Casa indicar os comandos das comissões permanentes, responsáveis por propor esse tipo de emenda.

Esse poder se reforça também pela forma como os recursos são executados. Para o pesquisador Bruno Bondarovsky, da PUC-Rio e responsável pela plataforma Central das Emendas, a não obrigatoriedade de pagamento dessas verbas amplia o poder de barganha do comando da Câmara, permitindo premiar aliados e esvaziar as comissões controladas por grupos dissidentes. “Aqueles que são fiéis nas votações costumam ser contemplados com a liberação dos recursos, enquanto os que divergem da cúpula têm o dinheiro represado”, afirma.

Esse controle discricionário ajuda a explicar a concentração orçamentária em poucas comissões. Técnicos do orçamento ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo apontam que, em 2025, as comissões de Saúde, Urbanismo, Comércio e Serviços, Desporto e Agricultura reúnem juntas cerca de R$ 7,6 bilhões autorizados, enquanto a maioria das demais, entre as 30 existentes na Câmara, segue esvaziada, como a de Meio Ambiente.

Sob sigilo

A concentração de poder e de recursos é resultado de um modelo político que sobreviveu ao fim das emendas de relator-geral do Orçamento, conhecidas como o esquema do orçamento secreto. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, os autores dessas emendas ficavam sob sigilo, com acesso restrito à cúpula do Congresso. Na prática, quem votava com o comando da Casa era premiado com mais recursos, enquanto opositores tinham o dinheiro represado.

A Corte declarou a prática inconstitucional em 2022, por entender que o modelo violava o princípio da transparência e permitia o uso político de verbas públicas. No fim de 2024, o ministro Flávio Dino chegou a determinar o bloqueio dessas emendas para a adoção de regras de transparência e rastreabilidade, entre elas, a identificação nominal dos parlamentares responsáveis pelas indicações. A decisão marcou o início de uma nova etapa de controle sobre o uso dessas verbas, mas não eliminou as brechas de opacidade, já que parte das indicações continua sem autoria clara.

Além da falta de transparência, a forma de aplicação dos recursos também reforça o uso político dessas verbas. Dados da Central das Emendas mostram que em 2024 a maior parte das emendas de comissão foi pulverizada em 4.163 municípios, com repasses médios de R$ 1,78 milhão por emenda. Parecer técnico da Câmara aponta que 59,9% do total foi destinado a despesas de custeio, como serviços urbanos e pequenas obras, e apenas 40,1% a investimentos, que são a função original desse tipo de emenda. Em 2025, quase três mil municípios já foram beneficiados, o que confirma o caráter pulverizado e local dessas transferências.

Barganha

Para especialistas, esse padrão facilita a barganha política, porque permite distribuir recursos de baixo valor, mas com alto retorno eleitoral, a prefeituras de aliados e bases estratégicas. A manobra faz com que as emendas, criadas para financiar projetos de impacto regional, passem a reproduzir a lógica das emendas individuais, com recursos pulverizados e voltados a alianças locais. “No Brasil, as emendas coletivas praticamente não existem. O que há são arranjos informais: em uma comissão, quem decide é o presidente da comissão; e, no fim, é o presidente da Câmara quem define o destino das emendas de comissão”, resume Humberto Nunes Alencar. (Com informações de O Estado de S. Paulo)

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