Quinta-feira, 18 de setembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 18 de setembro de 2025
O capitalismo contemporâneo, apesar de sua notável capacidade de adaptação, vem revelando fissuras cada vez mais profundas. Uma delas, talvez a mais dramática, é a crescente instabilidade das condições de trabalho. A precarização da legislação trabalhista, o desemprego estrutural provocado por novas tecnologias, especialmente a Inteligência Artificial, compõem um cenário em que a proteção social se retrai e cresce a sensação de desemparo e ressentimento. Nesse vazio, floresce uma doutrina liberal que transfere ao indivíduo a total responsabilidade por seu destino, sob a sedutora roupagem do empreendedorismo e a promessa da meritocracia.
A narrativa é poderosa: você pode, você consegue, basta querer. Mas, por trás do discurso de empoderamento, esconde-se uma armadilha. O peso das incertezas e dos fracassos é colocado unicamente sobre os ombros de cada trabalhador, como se fatores estruturais, tais como a desigualdade, acesso desigual à educação, fragilidade institucional, não tivessem papel algum. O resultado é a corrosão do senso coletivo e o enfraquecimento dos mecanismos de representação dos trabalhadores, como sindicatos e associações. O diálogo entre capital e trabalho, já rarefeito, torna-se ainda mais difícil.
Esse movimento é reforçado pela transformação da base produtiva brasileira. O declínio da indústria, outrora motor de empregos qualificados, coincide com a ascensão do agronegócio. Mas este, embora estratégico na geração de renda e exportações, é cada vez mais intensivo em tecnologia, e não em mão de obra. Sem indústria nem campo capazes de absorver grandes contingentes, resta ao setor de serviços acolher milhões de trabalhadores, em sua maioria desqualificados. O resultado é um retrato preocupante, no qual, apesar das atuais baixas taxas de desemprego, milhões de desempregados convivem com uma realidade de subocupação, compondo um exército de vulneráveis. O Bolsa Família, nesse contexto, ajuda a minimizar o problema, mas não resolve estruturalmente a questão das baixas remunerações por falta de qualificação, um dos problemas centrais de nossa economia. Sem qualificação, não tornamos complexa nossa produção, girando em círculos durante décadas sem que o País consiga vislumbrar ascender à elite dos países desenvolvidos.
Nesse contexto, a ideologia do empreendedorismo atua como bálsamo e veneno. De um lado, estimula criatividade, autonomia e autodesenvolvimento. De outro, mascara a desigualdade estrutural, transformando a sobrevivência em um teste darwinista de adaptação individual no qual prevalece a lógica do vença ou desapareça. Ao invés de solidariedade, reforça-se o individualismo. Em vez de cooperação, a competição predatória.
A transição do capitalismo industrial para o capitalismo de serviços e plataformas digitais, agora potencializada pela inteligência artificial, não é apenas econômica, é civilizatória. O desafio não está apenas em criar empregos, mas em repensar as bases de proteção social e reconstruir, em novas condições, as entidades de representação dos trabalhadores. A fragmentação das relações de trabalho exige organizações mais flexíveis, capazes de dialogar com múltiplas formas de vínculo e novas categorias profissionais.
Para o Brasil, dois caminhos se impõem. No curto prazo, a manutenção e qualificação dos programas sociais de apoio à renda básica, capaz de oferecer dignidade mínima aos milhões que, estruturalmente, não encontrarão lugar no mercado formal. No médio e longo prazo, a aposta inescapável é na educação. Não uma educação retórica, mas um projeto robusto, voltado para as competências do século XXI, com densidade tecnológica, humanística e cidadã.
Aos trabalhadores, restará, sim, um percurso mais solitário e arriscado. Mas não é inevitável que ele seja desamparado. A escolha é coletiva: ou entregamos o futuro à lógica selvagem da sobrevivência dos mais adaptados, ou construímos um pacto social renovado, que concilie inovação com proteção, autonomia com solidariedade. O destino, afinal, não precisa ser apenas individual.
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