Sábado, 04 de maio de 2024

Decisão do Google de proibir anúncios políticos terá impacto incerto, dizem especialistas

A decisão do Google de proibir a veiculação de propaganda política no Brasil em sua plataforma de anúncios, que começa a valer a partir de maio, expõe a indisposição de plataformas digitais com a moderação de conteúdo, mas há incerteza sobre o impacto disso no mercado de anúncios eleitorais no país. A avaliação é de especialistas.

A gigante da tecnologia informou que “vai atualizar sua política de conteúdo político do Google Ads para não mais permitir a veiculação de anúncios políticos no País”. A decisão foi tomada após a atualização das regras para impulsionamento de propaganda eleitoral feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em fevereiro.

A resolução 23.732, que altera as regras sobre propaganda eleitoral aprovadas pela Justiça Eleitoral em 2019, traz uma definição de “conteúdo político-eleitoral” considerada ampla demais pelo Google. A empresa avalia ser inviável moderar a quantidade de anúncios que devem ser contratados no período eleitoral.

A iniciativa da empresa se refere ao Google Ads, plataforma que prioriza o conteúdo exibido nas buscas do site, nas primeiras colocações ou em banners. O serviço costuma ser usado por candidatos, mas nas eleições de 2020 anúncios políticos na Meta (dona de redes sociais como Facebook e Instagram) ficaram à frente da concorrente. Dos R$ 36 milhões gastos com impulsionamento de conteúdo, R$ 31,7 milhões foram arrecadados pela empresa de Mark Zuckerberg.

Para Bruna Santos, gerente de campanhas global na Digital Action e integrante da Coalizão Direitos na Rede, o gesto do Google aponta para a incapacidade do setor de plataformas digitais de promover “uma espécie de compliance não só com a norma do TSE, mas com o que elas prometem”.

“É um movimento que já vimos com o Twitter anos atrás (de proibir anúncios políticos), para justamente evitar responsabilização, multas ou decisões judiciais contrárias à empresa, por ela não ser capaz de realizar uma moderação de conteúdo efetiva e de maneira célebre como o próprio TSE exige na nova resolução”, diz ela.

A organização da qual Bruna faz parte, entidade que reúne mais de 50 entidades da sociedade civil e da academia que trabalham em defesa dos direitos digitais, lançou uma nota no mês passado com elogios e críticas à resolução do TSE. Por um lado, celebrava a abordagem de temas sensíveis, como obrigações de transparência para as plataformas e regras para venda de publicidade direcionada. Por outro, previa “consequências graves” para o debate público.

A nota mirava o artigo 9º-E da resolução, segundo o qual as plataformas “serão solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas, durante o período eleitoral”, em alguns casos.

Para a Coalizão Direitos na Rede, o trecho vai contra a legislação eleitoral e o Marco Civil da Internet, que prevê que os provedores somente serão responsabilizados civilmente por conteúdos gerados por usuários nos casos em que descumprirem ordem judicial específica de remoção. O resultado, preveem os críticos, seria levar as plataformas a removerem até conteúdo apropriado com medo de serem penalizadas por eventuais omissões.

Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade e professora na FGV Direito Rio, Yasmin Curzi oferece duas interpretações distintas para a decisão do Google, uma positiva e outra negativa. Por um lado, poderia contribuir para uma redução na disseminação de desinformação e manipulação eleitorais, já que restringe o alcance de campanhas pagas que possam ser direcionadas de maneira não equitativa. Por outro lado, diz ela, pode limitar a capacidade de pequenos partidos e candidatos menos estabelecidos de alcançar um público maior, potencialmente afetando a pluralidade e a equidade no processo eleitoral.

“Retomando a perspectiva otimista, precisamos avaliar com muito cuidado que tipo de conteúdo é considerado político pela plataforma para a proibição dos anúncios. Potencialmente, são apenas aqueles cadastrados em uma seção específica do Google Ads como tal. Como estamos identificando em um relatório sobre o sistema, ele tem falhado profundamente em identificar conteúdos de desinformação e discurso de ódio contra candidatos de forma explícita, implícita ou com ‘algospeak’”, diz Yasmin, referindo-se à terminologia usada por usuários de redes sociais para não serem detectados pelos algoritmos.

Caio Machado, diretor-executivo do Instituto Vero, diz que a definição proposta pelo TSE de conteúdo político-eleitoral é muito ampla. Como qualquer comentário sobre política poderá ser incluso nessa categoria, afirma ele, o Google teria de incluí-los em um banco de dados enorme. Para ele, é uma opção da empresa assim como o Instagram não aceita nudez, mas o que está em jogo é uma questão de responsabilidade:

“Em vez de o Google tentar separar o joio do trigo e cumprir com as regras pensando nos candidatos das 5 mil cidades, e assim correr riscos enormes por cada erro nesse processo, a empresa preferiu não ter o desgaste à imagem, prejuízos financeiros e o trabalho”, declara.

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