Terça-feira, 22 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 21 de julho de 2025
Conhecida por ser nativa digital, a geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) cresceu deslizando habilmente os dedos em telas. No entanto, digitar com fluidez em um teclado físico, uma habilidade considerada básica, especialmente entre millennials, tem se tornado um desafio inesperado para muitos jovens que ingressam no mercado de trabalho ou na universidade.
O problema, no entanto, não é tão simples quanto parece. A dificuldade de digitar com agilidade e sem olhar para o teclado é apenas o sintoma mais visível de uma mudança mais profunda na relação da juventude com a escrita, a leitura e, em última instância, a própria produção do pensamento.
O computador (notebook ou desktop), considerado o ambiente adequado para trabalho e estudo, vem sendo trocado pelo celular até na entrega de trabalhos escolares. De acordo com a Instructure, dona da ferramenta de gestão de aprendizagem Canvas, utilizada por escolas, quase 4 em cada 10 trabalhos escolares feitos na plataforma foram submetidos em sua versão para celulares.
Outra plataforma de nome parecido, o Canva, voltada ao design gráfico e amplamente utilizada por criadores de conteúdo para elaboração de artes em mídias sociais, vem substituindo processadores clássicos de texto como Word e mesmo o Google Docs, na elaboração de trabalhos escolares por jovens estudantes.
“Tem muita gente da geração Z que consegue digitar relativamente bem, mas olha bastante para o teclado”, observa Milie Hajì, gerente de atração de talentos da Cia. de Talentos, empresa de consultoria de educação para carreira. A própria Billie Eilish, um dos ícones da geração Z, já declarou se arrepender de nunca ter aprendido a digitar. “Nunca aprendi a digitar porque não era da minha geração, e agora me arrependo”, declarou à revista Rolling Stone em 2024.
Segundo Hajì, os gamers são um dos perfis que melhor utilizam teclado físico atualmente. No entanto, o aprendizado não acontece em razão da produção de textos, mas pela necessidade de agilidade durante as partidas e comunicação rápida em jogos online e transmissões ao vivo – tanto é que teclados mecânicos são uma febre entre esse grupo.
Embora a digitação em si não tenha sido uma reclamação constante das empresas, de acordo com Hajì, outro aspecto relacionado à habilidade tem se tornado preocupante: a escrita. “A habilidade de redação, de ortografia e de gramática tem sido muito requisitada. Hoje em dia vemos, inclusive, pedidos de aplicação com redação, algo que não víamos faz um tempo.” Para ela, os jovens acabam compensando a falta de técnica com outras formas de expressão: emojis, reações e a linguagem visual.
A perda da escrita
Sete em cada dez jovens que estão ou querem estar na faculdade fazem uso frequente de inteligência artificial (IA) generativa na rotina de estudos, como ChatGPT, de acordo com um estudo realizado pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes). Para o professor e pesquisador Pablo Vallejos, doutor em Comunicação pela PUC-Rio, há um processo de terceirização da inteligência em curso. “Digitar, desenhar, escrever com letra cursiva são produções de sentido coreografadas entre o cérebro, o corpo e os instrumentos. Se uma inteligência sintética ocupa o teu lugar de protagonismo, você está sendo dominado, está passando por um processo de colonização dessa tecnologia.”
Segundo Vallejos, o problema não é exatamente a IA em si, mas a forma como ela entra em espaços fundamentais de formação do pensamento. “A partir do momento em que você adota instrumentos atribuindo a eles a responsabilidade média ou completa de fabricar discurso, você está atribuindo ao outro – a esse outro sintético, artificial, algorítmico – a responsabilidade do fazer saber.”
Filipe Mantovani Ferreira, professor de língua portuguesa no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e doutor em Letras pela USP, vai na mesma direção. Para ele, a escrita é uma atividade que envolve muito mais do que organizar palavras. “O ato de escrever é um ato complexo. Você mobiliza conhecimentos enciclopédicos, estrutura textual, domínio da norma, adequação ao gênero e ao interlocutor. Escrever nunca é simples. E se não criamos estratégias para garantir que os alunos tenham essa experiência, cometemos um erro.”
(Com informações do Estado de S.Paulo)