Segunda-feira, 04 de agosto de 2025

É antidemocrático impedir um candidato popular de concorrer às eleições? É democrático permitir que um golpista seja eleito?

O teste de estresse de Donald Trump sobre o Estado de Democrático de Direito agora pressiona o Judiciário. É antidemocrático impedir um candidato popular de concorrer às eleições? É democrático permitir que um golpista seja eleito? A resposta à última questão, na democracia americana como nas outras, é “não”. E, se concretamente for essa a situação, é uma das poucas que justificam responder “não” à primeira pergunta.

A tentativa de Donald Trump de obstruir o resultado das eleições de 2020 foi abominável e é uma das muitas razões pelas quais ele não deveria retornar ao poder. Mas o que a opinião pública americana está se perguntando é a quem cabe decidir se ele pode ou não retornar: ao eleitor ou à Justiça?

Segundo a 14.ª Emenda à Constituição, ninguém pode assumir cargos públicos se tiver se envolvido em uma “insurreição”. A Suprema Corte do Colorado entendeu que Trump fez isso quando seus apoiadores invadiram o Congresso em 6 de Janeiro de 2021, e o desqualificou para concorrer às primárias de 2024 no Estado.

A decisão é controversa. É a primeira vez que o estatuto é invocado, e ele baseou processos em mais 27 Estados. Algumas cortes os rejeitaram. A juíza da primeira instância do Colorado afirmou que Trump se envolveu numa insurreição, mas que não deveria ser barrado, porque os cargos enumerados na 14.ª Emenda não mencionam a “presidência”. Os juízes da Suprema Corte estadual se dividiram: 4 votos contra 3. Um dos divergentes citou que Trump nunca foi condenado por “insurreição”. A Câmara o condenou ao impeachment por insurreição. Mas o Senado o inocentou. Nos quatro indiciamentos criminais federais abertos contra ele por tentativa de subverter as eleições, o procurador não incluiu a acusação de insurreição.

A Suprema Corte já teria de decidir em janeiro se Trump é imune a acusações criminais por eventos ocorridos enquanto presidente. Agora precisará julgar a sentença do Colorado. Se validá-la, precisará apontar se a inelegibilidade vale só para o Estado ou para o país. Mas a maioria dos analistas acredita que a derrubará.

O choque político é imenso. Não por alterar as posições. Ao contrário. Não só os democratas continuarão clamando que estão salvando a democracia de uma ditadura e os republicanos continuarão acusando os democratas de perverter o sistema legal para interferir nas escolhas políticas, como ambos se enrijecerão e se inflamarão.

Para males extremos, a Constituição prevê remédios excepcionais. O golpismo é como um câncer, e a inelegibilidade, como uma quimioterapia: um mal necessário. Mas, se o tumor puder ser curado com terapias menos agressivas ou, pior, se ele não existir, a quimio é só um mal.

A ascensão de Trump foi sintoma de um mal-estar da política americana. No poder, ele se tornou causa de uma deterioração aguda. Em alguma medida, o eleitorado percebeu isso e rejeitou Trump em 2020 (e puniu trumpistas nas eleições legislativas de 2018, 2020 e 2022). Agora, os democratas, muitos juristas e a Justiça do Colorado alegam que o remédio das urnas é insuficiente, e a Constituição exige um mais extremo. Seja qual for a decisão da Suprema Corte, o risco de estresse social é grande.

Após a eleição de Trump, a maioria dos eleitores mostrou nas urnas que o desaprovou. Mas, se a Justiça lhes tirar a opção soberana de rejeitá-lo ou elegêlo sem uma justificativa convincente, é a Justiça que sairá chamuscada. Em tese, os processos judiciais contra Trump fortalecem a Justiça ao mostrar que há limites na democracia e ninguém está acima da lei. Mas, se, na prática, o povo – de quem, no fim, emana todo o poder – entender que a Justiça está interpretando a lei de maneira dura, parcial e extensiva contra um candidato, então o que era para ser um remédio se tornará veneno.

Não que os juízes devam decidir com base nos humores populares. Tal como a Justiça deve ser cega ante quem julga, deve ser surda à gritaria das ruas. Mas não basta que a Justiça seja cega e surda, é preciso parecer. E a melhor maneira de parecer é efetivamente ser. Do contrário, é ela quem será condenada como antidemocrática pelo povo e, por uma ironia trágica, empurrará esse povo para os braços de Donald Trump, inimigo declarado da democracia.

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