Quinta-feira, 28 de março de 2024

Empresas podem demitir funcionários que não se vacinarem? Entenda

Após a entrada em vigor da portaria do Ministério do Trabalho e Previdência, que proíbe as empresas de exigir o comprovante de vacinação contra a Covid-19 para contratar ou demitir os trabalhadores por justa causa, que direção empregadores e funcionários devem seguir?

Para especialistas, a portaria não tem força de lei e, portanto, as empresas podem exigir o comprovante. Além disso, o documento do governo contraria o Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu no ano passado que a vacinação contra a Covid é obrigatória, autorizando sanções a quem recusar a imunização.

Além de não haver uma lei específica que trate sobre a exigência, não há entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre o assunto. Porém, os fiscais do Ministério do Trabalho podem aplicar sanções às empresas que não obedecerem ao que prevê a portaria.

A Justiça do Trabalho tem dado ganho de causa a empregadores que demitem funcionários que se recusam a tomar a vacina.

Em São Paulo, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) confirmou a demissão por justa causa de uma funcionária de um hospital que não quis se vacinar.

Em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou um guia esclarecendo que a vacinação é medida de proteção coletiva e, portanto, dever tanto de empregadores quanto de empregados. “O interesse coletivo deve se sobrepor aos interesses individuais, conforme determina a CLT”, afirmou.

O que dizem os especialistas?

O que fazer se a empresa exigir comprovante de vacina?

Para Ricardo Calcini, professor da pós-graduação de direito do trabalho da FMU, a portaria não tem status de lei e, portanto, não impõe nenhuma obrigação para as empresas.

Lariane Del Vecchio, advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, considera que a portaria tem força de orientação, mas não legisla sobre o assunto.

“A portaria vai contra os direitos coletivos como saúde. A responsabilidade sobre o ambiente de trabalho saudável é do empregador, que também responde pela comprovação do nexo de causalidade em caso de uma doença ocupacional”, aponta.

Portaria pode ser usada para reverter a demissão na Justiça?

Calcini diz que se a Justiça entender que a portaria tem validade, é possível com base nela requerer eventual pedido de nulidade da demissão na Justiça do Trabalho. Mas vai depender da interpretação de cada juiz.

Lariane Del Vecchio afirma que o funcionário pode tentar usar a portaria como fundamentação, mas lembra que o entendimento é contrário à determinação do STF que já decidiu pela obrigatoriedade da vacinação.

Para Giovanni Anderlini Rodrigues da Cunha, advogado da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados, todos os trabalhadores têm garantido o direito constitucional de ação e poderão acionar a Justiça do Trabalho caso entendam que seus direitos foram lesados.

“No entanto, a edição da portaria surpreendeu os sindicatos patronais e dos próprios trabalhadores, o que indica que certamente essa norma será objeto de discussões perante o Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal”, afirma.

Nesta sexta-feira (5), o STF deu prazo de cinco dias para que o governo preste informações sobre a portaria. Três partidos políticos já acionaram o Supremo questionando a validade da portaria: a Rede Sustentabilidade, o PT e o PSB.

A advogada Juliana Guimarães, sócia do escritório Guimarães & Gallucci Advogados, concorda que o empregado pode se valer da portaria e acionar a Justiça do trabalho para reverter a demissão. Mas lembra que o STF já entendeu que o direito à saúde coletiva deve prevalecer sobre a liberdade de consciência e de convicção filosófica.

“Considerou-se ilegítimo, em nome de um direito individual, comprometer o direito da coletividade”, aponta.

Trabalhador pode alegar prática discriminatória?

O texto da portaria classifica como “prática discriminatória” a exigência do comprovante de vacinação.

O documento estabelece punições para os empregadores que descumprirem a determinação, que vão de reintegração do trabalhador demitido com ressarcimento integral do salário pelo período em que ele ficou afastado, pagamento em dobro da remuneração, ao direito de o empregado pedir indenização por danos morais.

Para os especialistas, o trabalhador que se sentir prejudicado pode entrar na Justiça alegando a prática discriminatória, apesar de considerarem a portaria ilegal.

Segundo Calcini, a portaria repete os termos da Lei 9.029/95 que trata das práticas discriminatórias. O trabalhador pode pedir as indenizações devidas, mas, para ele, a exigência do certificado de vacinação não pode ser considerado ato discriminatório.

“A portaria é ilegal, portanto, as empresas que já adotam o certificado de vacinação podem manter a exigência”, afirma Calcini.

“O funcionário pode entrar com ação, mas a portaria tem função de orientação e afronta direitos coletivos”, diz Lariane.

Para Cunha, considerando a Lei 13.979/20, que permite que autoridades adotem a realização compulsória da vacinação para combater a pandemia, e o julgamento do STF sobre o tema, as chances de êxito do trabalhador seriam baixas, “a depender da confirmação do entendimento dos tribunais sobre o tema e da análise concreta de cada caso levado ao Judiciário”.

Juliana Guimarães explica que o funcionário que se sentir discriminado pode recorrer à Justiça do Trabalho e pleitear a rescisão indireta do seu contrato de trabalho e, na mesma ação, pode pleitear o pagamento de uma indenização por danos morais.

Ela lembra, porém, que a lei 13.979/20 é hierarquicamente superior à portaria que trata da dispensa do comprovante de vacinação.

“Inclusive, a presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Cristina Peduzzi, se manifestou sobre a legitimidade das empresas em manter todos os seus empregados vacinados”, lembra.

“O comprovante de vacinação representa uma questão de saúde pública e, quando o empregador opta pela demissão em razão da recusa da vacina, isso se dá em razão do descumprimento de uma regra, em um ato de indisciplina”, explica.

Para Mourival Boaventura Ribeiro, sócio da Boaventura Ribeiro Advogados, não havendo justificativa para a recusa em se vacinar por parte do empregado ou se ela ocorrer por convicção, ideologia ou crença religiosa, eventual reclamação não será acolhida pela Justiça do trabalho. “Assim, a portaria vai na contramão de todos os esforços de autoridades de saúde para que o maior número possível de pessoas seja imunizado”, diz.

Advogado fala em insegurança para as empresas

Na avaliação do advogado especialista em Direito do Trabalho Empresarial Fernando Kede, a portaria causa insegurança às empresas, que podem ser juridicamente implicadas caso a desobedeçam, apesar de estarem seguindo a orientação do Ministério Público do Trabalho (MPT) de exigir o comprovante.

“Apesar de haver uma recomendação do MPT, não há entendimento do TST sobre o assunto, e os fiscais do Ministério do Trabalho podem aplicar as sanções previstas na portaria. Enquanto não se resolve juridicamente o imbróglio causado pela portaria, as empresas estão expostas a risco e devem ser cautelosas”, afirma Kede.

Segundo o especialista, a portaria é inconstitucional porque não cabe ao Ministério do Trabalho legislar sobre o assunto, mas apenas regulamentar as leis já existentes. “Mesmo assim, as empresas devem buscar direção jurídica para tomar as medidas necessárias, pois é obrigação delas promover o controle e mitigação da transmissão da Covid”, afirma.

Kede explica que decisões recentes da Justiça do Trabalho e o MPT orientam que empregadores podem demitir por justa causa quem recusar a vacinação para garantir a saúde de todos os colaboradores e o controle da pandemia. “O TST deve decidir em breve sobre a questão. No entanto, desde a última sexta-feira, o tribunal passou a exigir comprovante de vacinação de seus servidores. Isso é um indicativo de como ele deve agir”.

STF pode invalidar portaria, dizem especialistas

Para os advogados especialistas em direito do trabalho, a portaria é inconstitucional e poderá ser invalidada, em breve, no STF.

De acordo com Cíntia Fernandes, advogada especialista em direito do trabalho do escritório Mauro Menezes & Advogados, o Ministério do Trabalho e Previdência avança em matéria que não é de sua competência e estabelece regras contrárias ao próprio texto constitucional sobre saúde pública e ambiente de trabalho.

A advogada reforça que a portaria levanta a discussão sobre o conflito entre o direito individual e o direito coletivo e fomenta uma conduta contrária à vacinação, extremamente prejudicial às tentativas de contenção da Covid-19.

“Não foi considerado que a Constituição Federal estabelece garantias de natureza coletiva, de modo que, no que se refere à saúde pública, o direito coletivo prevalece sobre os direitos individuais”, diz.

Para o advogado Ruslan Stuchi, especialista em direito do trabalho do Stuchi Advogados, o STF deverá considerá-la inconstitucional.

“Na minha opinião, a justa causa não pode ser aplicada de maneira imediata. A empresa, primeiramente, tem que advertir o funcionário. E, caso o empregado continue a se negar a ser vacinado, a empresa poderá demiti-lo por justa causa. Essa portaria do Executivo é contraditória ao que o Judiciário pensa em segunda instância. Esse caso vai chegar ao STF e certamente essa portaria vai ser derrubada, por ser declarada inconstitucional”, observa.

Cíntia Fernandes destaca que, apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não ter previsão expressa sobre a possibilidade de dispensa por justa causa relativa às condutas de empregados que se recusem a vacinar, o artigo 482 da CLT dispõe sobre a penalidade máxima de resolução contratual para comportamentos de indisciplina e de insubordinação.

“Nos termos da CLT, o empregador é responsável pela segurança e saúde dos empregados no ambiente de trabalho, com a adoção de medidas necessárias para minimizar os riscos”, diz.

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