Domingo, 09 de novembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 8 de novembro de 2025
A Câmara dos Deputados aprovou, por 317 votos a 111, projeto que, na prática, visa tornar ainda mais difícil o acesso de menores de 14 anos vítimas de violência sexual e grávidas a serviços de aborto permitidos por lei.
O texto derruba resolução do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), de dezembro de 2024, que detalhou e regulamentou diretrizes para atendimento de crianças e adolescentes em casos de aborto legal. Nela estão definições como a prioridade absoluta a essas meninas no acesso ao serviço de interrupção legal da gestação, o sigilo e o atendimento seguro e humanizado de saúde.
O Código Penal brasileiro definiu o aborto como crime, punível com prisão, em 1940 –mas desde então também autoriza o procedimento em caso de gravidez resultante de estupro ou de risco de vida para a mulher. Em 2012, por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), foi definida uma terceira situação para o aborto legal: quando o feto é anencéfalo.
No entanto, o acesso a esse direito tem sido cada vez mais dificultado no Brasil. Pela lei, qualquer relação sexual com menor de 14 anos configura estupro, e são elas as maiores vítimas de violência sexual. Em 2023, quase 14 mil meninas nessa faixa etária tiveram filhos no país, mas apenas 154 tiveram acesso ao aborto legal.
O texto aprovado por três quartos dos deputados federais, de partidos de direita e do chamado centrão, chama o direito ao aborto previsto por lei de “deturpação ideológica” e afirma que o Conanda “cria tipos penais e extrapola seu poder de regulamentar”.
O texto precisa ainda ser apreciado pelo Senado. Se aprovado, entraria em vigor sem a necessidade de sanção presidencial.
Entenda o que está em jogo com o avanço deste projeto de decreto legislativo, apelidado por críticos de “PDL da pedofilia”.
O que diz a resolução do Conanda?
A resolução que corre o risco de ser suspensa dispõe sobre o “atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e a garantia de seus direitos”, como explica o primeiro artigo do texto.
Entre os tópicos abordados, estão:
Diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, com prioridade absoluta e atuação integrada dos órgãos públicos; Direito à informação sobre direitos sexuais e reprodutivos, inclusive sobre o aborto legal, de forma adequada à idade; Dispensa de boletim de ocorrência, autorização judicial ou consentimento dos responsáveis; Direito ao sigilo absoluto, escuta especializada e atendimento que evite constrangimentos ou exposição da vítima.
O Conanda justifica que, apesar de a legislação brasileira já prever o direito à interrupção da gestação em situações de estupro, as estatísticas alarmantes, ilustradas por casos recentes que vieram a público de crianças impedidas de realizar o procedimento, mostraram a urgência de uma regulamentação do tema.
Em 2020, por exemplo, um hospital no Espírito Santo negou o atendimento de uma menina grávida de dez anos, que precisou ser transferida para um hospital em Recife (PE), onde o procedimento foi realizado, quando ela já estava com aproximadamente 22 semanas de gestação.
O caso teve grande repercussão: vazamento da identidade da menina, e divulgação do endereço do hospital nas redes sociais por ativistas contrários ao aborto, o que gerou hostilização ao hospital e à vítima. A família da menina entrou em programa de proteção, com mudança de nome e endereço.
O que diz quem defende o projeto?
A mobilização contra a regulamentação do acesso ao aborto a menores de 14 anos foi encabeçada por grupos religiosos, especialmente católicos e evangélicos, em mais um capítulo de uma ofensiva conservadora que vem ganhando terreno no Congresso.
No projeto aprovado pela Câmara, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e com relatoria do deputado Luiz Gastão (PSD-CE), um dos argumentos apresentados é a falta de limite temporal da gestação para o aborto, o que, na prática, “autorizaria a realização de aborto em casos nos quais a gestação está próxima de 40 semanas”, disse Gastão, que é também coordenador da Frente Parlamentar Católica.
Em suas redes sociais, ele comemorou a derrubada da resolução do Conanda como uma “grande vitória da VIDA!”, agradecendo às frentes católica e evangélica na Câmara pelo resultado.
“Nós mostramos no plenário hoje que a bancada cristã que está surgindo surge forte e com valores”, afirma, em vídeo. Ele diz ainda que o projeto acaba “restituindo os valores da vida e defendendo a vida desde a sua concepção”.
Outro ponto criticado é o de que a regulamentação dispensa qualquer tipo de autorização dos pais ou dos responsáveis pela criança. Com informações da Folha de São Paulo.