Quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Entre o curral e o Big Brother: Orwell e o Brasil de Hoje

Vivemos tempos em que a distopia de Orwell parece menos ficção e mais espelho. O Brasil do século XXI se transformou em uma mistura tropical de 1984 e A Revolução dos Bichos: uma sociedade que acredita estar mais livre do que nunca, mas que se deixa vigiar, conduzir e dividir por telas luminosas que se tornaram as novas correntes da caverna de Platão.

Nas redes sociais, o Grande Irmão não é um tirano com bigode, é o algoritmo. Ele observa, mede, filtra e decide o que veremos, quem amaremos e a quem odiaremos. A promessa era de liberdade e voz para todos, mas o resultado, porém, é um imenso curral digital, onde cada um permanece confinado no seu cercado ideológico, alimentado por doses diárias de indignação e pertencimento.

Platão imaginou homens acorrentados vendo sombras projetadas na parede e acreditando que eram realidade. Hoje, as neocarvernas são os feeds de notícias, as timelines e os grupos de mensagens. As sombras são vídeos curtos, frases recortadas, emoções instantâneas e muitos já esqueceram que existe um mundo fora da tela.

A diferença é que, agora, as correntes são voluntárias: o usuário se aprisiona sem perceber, clicando com prazer em cada nova ilusão.

Como em A Revolução dos Bichos, o discurso de igualdade e justiça foi capturado pelos novos “porcos” do poder, os influenciadores, políticos e corporações que descobriram como manipular o rebanho com palavras mágicas, como “engajamento”, “causa”, “verdade”, “ódio do bem”. Todos os animais são iguais, mas alguns perfis são mais iguais que os outros.

A política, em vez da busca do bem comum, virou um grande espetáculo. O debate público se resume a curtidas e cancelamentos. A verdade perdeu a força da razão e ganhou o ritmo dos memes. O ódio, apregoado com o nome de um “nós contra eles”, substitui qualquer possibilidade de diálogo. O “Dois Minutos de Ódio” de 1984 virou uma rotina nacional transmitida ao vivo, monetizada e curtida milhões de vezes.

Foi nesse contexto que Umberto Eco, ainda antes da explosão das redes sociais, advertiu que “as mídias sociais deram o direito de fala a legiões de idiotas que antes só falavam no bar, sem causar dano à coletividade”. Hoje, esses mesmos idiotas, em suas neocarvernas digitais, sentem-se sábios, desdenham dos que estudaram e transformam opinião em certeza, ignorância em identidade. A profecia de Eco completou a de Orwell: a manipulação da verdade tornou-se um ato coletivo.

Enquanto isso, o revisionismo histórico avança, a memória se dissolve e a linguagem é distorcida. Palavras como “democracia”, “liberdade” ou “justiça” são usadas para significar o oposto do que realmente representam. Orwell chamou isso de novilíngua: que é quando nos mudamos o sentido das palavras para mudar o sentido da realidade.
No fundo, a distopia de Orwell vence não pelo medo, mas pelo cansaço. As pessoas deixam de pensar porque pensar dói e dá trabalho. É mais fácil seguir o fluxo, curtir, compartilhar, repetir. A caverna virou conforto, o curral virou comunidade, e a vigilância virou entretenimento.

O Brasil de hoje não é comandado por um único Grande Irmão, mas por milhões de pequenos, cada um controlando o outro, fiscalizando, julgando, denunciando, cancelando. Orwell talvez se assustasse menos com os governos do que com os cidadãos dispostos a se vigiar mutuamente.

Em meio a tudo isso, resistir é um ato simples, porém muito raro. Ler mais do que os títulos e publicações com mais de 250 caracteres, duvidar das certezas oferecidas, conversar com quem pensa diferente. Sair da caverna exige luz e coragem para encarar o que ela revela.

* Amílcar Fagundes Freitas Macedo é magistrado

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