Sábado, 01 de novembro de 2025

Escanteados pelo Ocidente, Rússia, Irã e Coreia do Norte reforçam laços mútuos

Uma silhueta idêntica cortou os céus do Leste Europeu e do Oriente Médio, na quinta-feira (25) da semana passada. Em ataques lançados com poucas horas de diferença, Rússia e Irã bombardearam alvos na Ucrânia e no Paquistão, respectivamente, com uma arma em comum: drones Shahed-136, de fabricação iraniana.

Os chamados “drones kamikaze” são um lembrete material da crescente interação entre um grupo de países não-alinhados ao Ocidente. Cada qual com seu objetivo estratégico, mas unidos por um inimigo comum (e pelas sanções que enfrentam), Rússia, Irã e Coreia do Norte encontraram uns nos outros alternativas para cobrir necessidades táticas e reforçar suas capacidades.

O arsenal russo é a ponta mais visível da crescente interação entre os países. Relatórios de inteligência confirmam, desde 2022, a incorporação de drones e projéteis do Irã às forças russas em ação no Leste Europeu. Mais recentemente, fontes ocidentais e de Kiev confirmaram o uso de armas norte-coreanas, como mísseis da série KN. A relação entre Teerã e Pyongyang, incluindo em seus programas de mísseis balísticos e no fornecimento de armas a grupos pró-iranianos, como os houthis no Iêmen, também é conhecida.

Embora partes e componentes produzidos em mais de 30 países tenham sido encontrados em armas russas usadas na Ucrânia, segundo as autoridades de Kiev, as interações entre Moscou, Teerã e Pyongyang são motivo de preocupação especial no Ocidente. A consultoria de risco político Eurasia Group apontou o trio como uma das principais ameaças à estabilidade global em 2024. Em seu relatório de perspectivas para o ano, a consultoria com sede em Nova York cravou a alcunha “Axis of Rogues” (“Eixo dos Vilões”, em tradução livre) para defini-los.

“São agentes do caos na ordem geopolítica atual, empenhados em minar as instituições existentes e os governos e princípios que as sustentam”, aponta um trecho do relatório. “Em 2024, um alinhamento mais profundo e o apoio mútuo entre esses Estados-pária representarão uma ameaça crescente à estabilidade global, à medida que reforçam as capacidades uns dos outros e agem de forma cada vez mais coordenada e perturbadora na cena global”, indica um outro trecho.

Casamento arranjado

Embora a oposição ao Ocidente seja o elo mais aparente entre os países, um conjunto de fatores explica a aproximação, segundo analistas, desde as sanções estrangeiras, que limitam as possibilidades de interação, o cenário conflituoso que divide a atenção da comunidade internacional e mesmo os objetivos específicos de cada um.

“É correto ver a crescente interação entre Rússia, Irã e Coreia do Norte pelo prisma de que todos eles têm interesses [próprios] e que todos estão sob pesadas sanções dos EUA”, disse Eric Gomez, pesquisador sênior do Cato Institute, ao explicar as razões para a cooperação. “Todos eles possuem algo que é de interesses dos outros: a Rússia precisa de mais equipamento militar para usar na guerra da Ucrânia, a Coreia do Norte precisa de acesso a capital estrangeiro e tecnologia moderna… Todos eles viram uma oportunidade.”

A percepção de um momento favorável para a interação e o inimigo em comum, porém, não garantem que estejamos diante da criação de uma aliança de contestação à Ordem Mundial.

Jogos regionais de poder

Mesmo que não se trate de uma “anti-Otan” ou de uma reedição da Conferência de Yalta com novos atores, as relações estratégicas criam novos desafios, sobretudo para o Ocidente, em cada várias regiões do mundo.

No caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, Putin afirmou, entre suas muitas justificativas, que se tratava de uma guerra de contenção ao avanço da Otan em direção ao Leste — embora muitos observadores tenham apontado que o regime de Putin se preocuparia mais com a expansão da União Europeia e de suas instituições liberais.

Na avaliação de Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM, o objetivo atual de Moscou ainda é converter a Ucrânia em uma espécie de Estado-tampão entre a Rússia e o bloco ocidental.

O jogo regional do Irã também é profundamente relacionado com a ambição de assegurar o status quo do regim. De acordo com Sara Bazoobandi, pesquisadora iraniana no Instituto GIGA para Estudos sobre Oriente Médio, da Alemanha, a retórica hostil e o uso de grupos armados em outros países — como os houthi, que disparam contra a navios comerciais no Mar Vermelho — são parte da estratégia de manter os conflitos longe de Teerã.

O jogo norte-coreano é o mais imprevisível, na avaliação dos especialistas. Kim Jong-un promoveu mudanças importantes na constituição do país, fechou agências de cooperação para a reunificação com a Coreia do Sul e ordenou que suas tropas ficassem de prontidão para a guerra — tudo isso, somado a uma escalada no testes de armamentos.

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