Quinta-feira, 23 de outubro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 23 de outubro de 2025
Estádios são espaços de congraçamento público, dedicados a abrigar competições esportivas. O espaço urbano, a arquitetura do edifício, a interação que oferece e os usos a eles associados criam elementos de identidade e de memória, que autorizam analisá-los pelo olhar dos direitos culturais.
No Brasil, os estádios mais populares são os que abrigam jogos de futebol, a paixão nacional, que enfrenta o desafio de manter-se acessível à sociabilidade presencial. A exploração econômica das arenas tem contribuído para novas formas de relações com os lugares, com impactos no acesso, na identidade e na memória da comunidade que frequenta os estádios.
Os direitos culturais podem ser compreendidos, grosso modo, como aqueles que garantem a expressão cultural e o seu exercício; a participação na vida cultural e o seu usufruto; o acesso aos bens culturais; a proteção e a promoção da identidade, da diversidade e da memória.
A Constituição Federal brasileira de 1988 acolheu a preocupação com os direitos culturais, inclusive, dedicando capítulo específico para falar “da cultura”, atribuindo deveres ao Estado, em colaboração com a comunidade, para a sua garantia e para a promoção do patrimônio cultural.
Pensar os estádios, a partir dos direitos culturais, enseja analisar, por exemplo, os elementos de identidade e de memória a eles associados, como se dá a participação e o acesso à cultura em seus espaços e qual o papel do Estado e da comunidade nessas relações.
Como exemplo para pensar a relação dos direitos culturais com os estádios de futebol, podemos citar o Estádio Mercado Livre Arena Pacaembu, na cidade de São Paulo. O nome pode causar estranhamento, justamente porque há elementos de identidade associados à história das relações sociais com o espaço, que construíram memórias atreladas a outros signos referenciais. Oficialmente chamado de Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, foi afetivamente nomeado de Estádio do Pacaembu em referência ao bairro em que está sediado.
O Estádio do Pacaembu foi inaugurado em 1940, sediou a Copa do Mundo de 1950, e foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, em 1988.
O processo de tombamento considera a “importância do Conjunto Esportivo do Pacaembu para a história do esporte paulista, cujas origens remontam a iniciativa de educação pelo esporte de jovens paulistanos, a realização de campeonatos e competições esportivas de caráter nacional e a solenidade cívicas” bem como “a qualidade de sua arquitetura e de sua implantação que soube inserir projeto de grandes dimensões na paisagem, respeitando-a e ao mesmo tempo valorizando urbanisticamente o bairro do Pacaembu” (São Paulo, 1988).
Percebe-se, pela redação do processo, que o Estádio do Pacaembu foi reconhecido como patrimônio cultural em suas dimensões simbólicas, pelas relações imateriais vivenciadas, e físicas, pelo valor material da edificação. O tombamento e a posterior disciplina da delimitação da área envoltória protegida permitiram a preservação da fachada e do entorno, admitindo reformas para adaptação a novas exigências da regulamentação esportiva e de segurança.
Em 2008, foi inaugurado o Museu do Futebol, em consórcio entre a prefeitura e o Estado de São Paulo, agregando um novo uso ao espaço. No entanto, os efeitos do tombamento e a iniciativa da criação do museu não foram suficientes para superar a subutilização da arena.
Embora esteja operante, passa por reformas complexas e problemas estruturais ainda não resolvidos. Mesmo o estádio sendo público, a sua administração foi delegada a uma concessionária, que tenta, por meio de iniciativas comerciais adicionais, como a promoção de shows e eventos, encontrar iniciativas que promovam a sustentabilidade econômica do patrimônio cultural transformado em empreendimento.
A concessão, solução encontrada pelo poder público para a preservação do patrimônio cultural, conflitua com outros direitos culturais, como o direito de acesso à cultura e o seu usufruto.
No Brasil, acessar um jogo de futebol profissional, sobretudo em São Paulo, tem um custo médio de ao menos R$ 50. Este valor representa aproximadamente 3,29% do salário-mínimo atual, que está em R$ 1.518,00. Em breve pesquisa ao site da concessionária do Pacaembu, é possível verificar que um concerto na arena tem um custo mínimo, a depender da atração, de R$300 a R$ 650. Por sua vez, o ingresso inteiro ao Museu do Futebol custa R$ 24, mas há dias reservados para a visitação gratuita.
Não é apenas o custo dos ingressos que afasta a população dos estádios, mas as novas pretensões de sua utilização e exploração. A regulamentação do espaço tombado priorizou a valorização da área delimitada e edificada, contribuindo para a maior gentrificação do bairro hoje privilegiado de São Paulo, sem, contudo, atentar para a escuta da sociedade civil, a democratização do espaço público e as dimensões simbólicas da identidade e da memória da cidade.
Quando se fala em direitos culturais, deve-se recordar que o Estado deve garanti-los, com a colaboração da comunidade e não jogá-la a escanteio.
(Maria Helena Japiassu M. de Macedo, Advogada. Doutoranda no PPGD/UFPR. Pesquisadora em Direitos Culturais. Membro associada do IBDCult)