Segunda-feira, 06 de outubro de 2025

Estudo mostra que o Supremo tem como resgatar a colegialidade, a clareza dos precedentes e a ética institucional sem precisar esperar que o Congresso faça alguma reforma

Há tempos o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser apenas a mais alta Corte do País e se tornou um protagonista político hipertrofiado e sobrecarregado. Decisões monocráticas prevalecem sobre o debate colegiado. Inquéritos heterodoxos se arrastam por anos.

Voluntarismos interpretativos fabricam “constituições paralelas”. A pretexto de “omissões” dos outros Poderes, o STF edita leis e dita políticas públicas, precipitando corrosão institucional e repulsa social.

Parte do problema está nos vícios de origem da Constituição, que atribuiu ao STF competências tão vastas quanto difusas.

Mas a crise se deve, sobretudo, à forma como os ministros exercem esse poder. Falta sobriedade, autocontenção, respeito aos limites éticos da magistratura. Acrescente-se a isso a litigância abusiva de partidos que tentam reverter com sentenças o que perderam no voto.

Assim, o STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade. No século 20, as Forças Armadas se auto-outorgaram a tarefa de “corrigir” os rumos da política, com resultados conhecidos.

No século 21, o STF parece vestir esse figurino em versão togada: árbitro de tudo, responsável por “recivilizar” o País – à custa da erosão da democracia representativa.

Não é necessário aguardar reformas legais para sanear esse “estado de coisas inconstitucional”. Remédios urgentes estão ao alcance da Corte. Essa é a mensagem do relatório A Responsabilidade pela Última Palavra, elaborado pela Fundação FHC a partir da opinião de juristas e cientistas sociais, que propõe três eixos de reformas exequíveis por meio de resoluções internas.

O primeiro é o aperfeiçoamento do processo decisório. O STF precisa frear o ativismo de seus ministros. Isso significa restringir severamente as decisões monocráticas, delimitar pedidos de vista e devolver à colegialidade o que lhe pertence.

Significa ainda ordenar a pauta de maneira transparente e racional e reformar o plenário virtual para que seja instrumento eficiente com controle recíproco, e não de opacidade.

O segundo eixo é a qualificação do sistema de precedentes. A Corte deve falar com uma só voz. Precedentes precisam ser estáveis, compreensíveis e vinculantes, sob pena de o Tribunal se tornar uma loteria hermenêutica.

É preciso padronizar ementas, identificar com clareza a tese decisória e exigir fundamentação robusta para qualquer superação. Assim se constrói segurança jurídica e previsibilidade a cidadãos, empresas e instituições.

O terceiro eixo é o fortalecimento da reputação pública. Um Código de Conduta é indispensável: ministros não podem se expor em eventos patrocinados por atores políticos ou econômicos que litigam ou podem vir a litigar na Corte, muito menos se engajar em manifestações de militância partidária.

Regras de impedimento e suspeição precisam ser claras e respeitadas. A comunicação deve ser institucional e colegiada, não personalista. A confiança da opinião pública depende menos de declarações solenes e mais de comportamentos discretos, éticos e consistentes.

Essas três frentes não são utopias acadêmicas. São medidas concretas que o STF pode adotar já, sem depender de ações e retaliações dos outros Poderes. Ao fazê-lo, estará não só preservando a sua autoridade, mas também resgatando o equilíbrio do sistema republicano.

Ao assumir a presidência do STF, o ministro Edson Fachin acenou claramente nessa direção, reiterando aquele que desponta como o lema de sua gestão: “Ao Direito o que é do Direito; à política o que é da política”.

Mas, para dimensionar o tamanho do desafio, basta pensar que seu predecessor foi o “iluminista-em-chefe”, Luís Roberto Barroso, e seu sucessor será o “delegado-geral da democracia”, Alexandre de Moraes.

Cada decisão monocrática voluntarista, cada inquérito sem fim, cada gesto de arrogância institucional esfarela mais um tijolo da legitimidade da Corte. É preciso que os ministros entendam: a melhor maneira de defender o STF contra ataques externos é erradicar arbítrios internos. Se o Supremo continuar a trilhar o caminho da onipotência, deixará de ser guardião da Constituição para se tornar réu da História. (Opinião/jornal O Estado de S. Paulo)

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Política

Loterias criadas por prefeituras de pequenos municípios têm dado aval para que empresas de apostas esportivas funcionem com pouca fiscalização a partir do pagamento de taxas irrisórias
Alvorada celebra 60 anos com festa histórica e olhar para o futuro
Pode te interessar
Baixe o app da TV Pampa App Store Google Play