Quarta-feira, 02 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 11 de outubro de 2021
O ex-espião Kim Kuk-song não perdeu os velhos hábitos. Foram necessárias várias semanas para marcar uma entrevista com ele, e o norte-coreano ainda está preocupado com quem pode estar nos ouvindo. Kim usa óculos escuros, e apenas dois integrantes de nossa equipe sabem qual é seu nome verdadeiro.
Ele passou 30 anos trabalhando para chegar ao topo das poderosas agências de espionagem da Coreia do Norte. As agências eram os “olhos, ouvidos e cérebros do Líder Supremo”, conta.
Kim afirma que guardou seus segredos, enviou assassinos para matar seus detratores e até construiu um laboratório de drogas ilegais para ajudar a arrecadar fundos “revolucionários”.
Agora, o ex-expião decidiu contar sua história.
Kim era o “o mais vermelho dos vermelhos”, disse ele, em entrevista exclusiva. Um servo comunista leal. Mas posição e lealdade não garantiram sua segurança na isolada Coreia do Norte.
Ele teve que fugir para salvar sua vida em 2014 e, desde então, vive em Seul, capital da Coreia do Sul, e trabalha para a inteligência sul-coreana.
Kim retrata uma liderança norte-coreana desesperada para ganhar dinheiro de todos os meios possíveis, desde negócios de drogas a vendas de armas no Oriente Médio e na África.
Ele contou sobre a estratégia por trás das decisões que estão sendo tomadas em Pyongyang e os ataques do regime à Coreia do Sul. Também diz que as redes cibernéticas e de espionagem do país podem alcançar todo o mundo.
‘Força-tarefa terrorista’
Os últimos anos de Kim na principal unidade de inteligência da Coreia do Norte permitem entender como foi o início da liderança de Kim Jong-un, um jovem ansioso por provar ser um “guerreiro”.
A Coreia do Norte formou uma nova agência de espionagem chamada Reconnaissance General Bureau em 2009, no momento em que Kim Jong-un estava sendo preparado para suceder seu pai, que havia sofrido um derrame. O chefe da autarquia era Kim Yong-chol, que continua sendo um dos braços-direitos do líder norte-coreano.
O ex-espião disse que, em maio de 2009, determinou a formação de uma “força-tarefa terrorista”. O objetivo era matar um ex-oficial norte-coreano que havia desertado para o sul.
“Para Kim Jong-un, foi um ato para satisfazer o líder supremo (seu pai)”, diz Kim. “Uma ‘força-tarefa terrorista’ foi formada para assassinar Hwang Jang-yop em segredo. Dirigi e executei pessoalmente o trabalho.”
Hwang Jang-yop era uma das autoridades mais poderosas do país. Ele foi um dos principais arquitetos da política norte-coreana. Sua deserção para o Sul em 1997 nunca foi perdoada. Uma vez em Seul, ele passou a falar mal do regime norte-coreano e a família Kim queria vingança.
Mas a tentativa de assassinato deu errado. Dois majores do Exército norte-coreano ainda estão cumprindo penas de prisão de 10 anos em Seul por causa do complô. Pyongyang sempre negou envolvimento e alegou que tudo não passava de encenação da Coreia do Sul.
O testemunho de Kim sugere o contrário.
“Na Coreia do Norte, o terrorismo é uma ferramenta política que protege a honra de Kim Jong-il e Kim Jong-un”, diz ele. “Foi um presente para demonstrar a lealdade do sucessor ao seu grande líder.”
Havia mais por vir. Um ano depois, em 2010, um navio da marinha sul-coreana, o Cheonan, afundou após ser atingido por um torpedo. Quarenta e seis vidas foram perdidas. Pyongyang sempre negou envolvimento.
Então, em novembro daquele ano, dezenas de projéteis de artilharia norte-coreanos atingiram a ilha sul-coreana de Yeongpyeong. Dois soldados e dois civis foram mortos.
Ainda não se sabe quem deu a ordem para esse ataque. Kim disse que “não estava diretamente envolvido nas operações na Ilha Cheonan ou Yeonpyeong”, mas “não eram um segredo para os oficiais da RGB; (o episódio) era tratado com orgulho, algo para se vangloriar”.
E essas operações não teriam acontecido sem ordens do alto escalão, diz ele.
“Na Coreia do Norte, nada pode ser feito sem aprovação direta do Líder Supremo, nem mesmo a construção de uma estrada. O naufrágio do Cheonan e o bombardeio da Ilha Yeongpyeong não seriam atos executados exclusivamente por subordinados”.
“Esse tipo de trabalho militar é projetado e implementado por ordens especiais de Kim Jong-un. É uma conquista.”