Sexta-feira, 04 de julho de 2025

Ex-secretário de Política Econômica do governo Lula lamenta que a reforma tributária esteja sendo desvirtuada

O economista Marcos Lisboa considera que a proposta original de reforma tributária está sendo “impressionantemente” deturpada com o tratamento privilegiado que está sendo concedido a diversos setores. Lisboa diz que o valor de R$ 60 bilhões por ano de aporte do governo federal ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) é muito alto para o tamanho das dificuldades fiscais do País.

“A reforma confirma a nossa teimosia com o fracasso. As áreas do Nordeste que estão com aumento de renda relevante são aquelas que estão chegando com o agronegócio. Não foi pelas tradicionais políticas de desenvolvimento regional”, avalia Lisboa, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica no primeiro governo Lula.

Lisboa critica o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por falar que o valor do fundo é pequeno perante um Orçamento de R$ 2 trilhões. E afirma que a reforma está sendo capturada pelo tradicional patrimonialismo brasileiro.

O economistas lamenta que a reforma esteja sendo desvirtuada, mas pondera que ela é melhor do que o sistema tributário atual. A seguir, os principais trechos da entrevista.

1. Como avalia as mudanças feitas na proposta de reforma pelo relator no Senado, Eduardo Braga, com mais dez setores e atividades com tratamento diferenciado?

É muito ruim. A gente tem no Brasil uma política, em particular recentemente no Senado, muito permeável a grupos organizados. Por que profissionais liberais têm de pagar menos impostos do que o resto da sociedade? Não tem razão para um escritório de advogado que fatura R$ 30 milhões por ano pagar menos tributos do que outras atividades, como também bares e restaurantes, hotéis, agências de turismo. Por que o agronegócio paga menos impostos? É um País onde o oportunismo é remunerado.

2. As negociações da reforma ilustram isso de forma mais transparente?

Ela está preservando o patrimonialismo brasileiro, em que alguns grupos que se organizam de forma mais eficaz pagam menos tributos do que os demais. Não tem nenhuma razão para o setor do agronegócio estar fora da reforma (pela proposta, agronegócio tem tributação reduzida). Trata-se de um tratamento privilegiado da reforma, como também turismo e aviação (setores que estão em regimes específicos). A regra de tributação sobre o consumo deveria ser a mesma para todas as atividades produtivas, a mesma alíquota. O Brasil é um país curioso em que o rico sempre é outro. Grupos como advogados, médicos, consultorias de economistas, que estão no 0,1% do País, dizem “eu sou classe média” para pagar menos impostos.

3. Como a proposta de reforma pode sair com a votação no Senado e depois novamente na Câmara?

É a minha preocupação. As demais atividades produtivas vão ter de pagar mais tributos para dar conta dos benefícios desses grupos organizados.

4. É melhor ter uma reforma assim do que não ter nada?

O sistema atual é absolutamente disfuncional. É uma pena o Brasil perder a oportunidade de fazer uma reforma mais eficaz. Como é que a gente continua nessa agenda de preservar as desigualdades no País? Veja o exemplo da desoneração da cesta básica. Se tributar a cesta básica e transferir os recursos para o Bolsa Família, a desigualdade de renda cai 12 vezes mais do que desonerar. É muito mais eficaz tributar a cesta básica e devolver o dinheiro. Se de fato você quer defender os mais pobres, tem de defender a tributação da cesta básica e a devolução do imposto pelo Bolsa Família. Se quer defender alguns produtores do agronegócio, que querem pagar menos do que os demais, aí você defende a desoneração da cesta básica.

5. Mesmo assim, vale a pena aprovar a reforma?

A reforma confirma a nossa teimosia com o fracasso. Mas, ela é melhor do que o que nós temos hoje. Mas é uma pena que tenha sido capturada por grandes grupos de interesse. O ideal seria que toda decisão de consumo pagasse a mesma alíquota do imposto. Esse é o princípio do IVA. À medida que vai criando esses puxadinhos, com regras diferentes para decisões de consumo diferentes, isso vai levando a decisões diferentes e escolhas de investimento ineficientes.

 

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