Quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 17 de dezembro de 2025
Um simples exame de urina pode revelar o risco de desenvolver demência décadas antes do aparecimento dos sintomas, segundo um novo estudo. A pesquisa acompanhou cerca de 130 mil pessoas e identificou que a presença da proteína albumina na urina pode agir como um sinal de alerta precoce para problemas de memória.
O estudo mostrou que pessoas com níveis mais elevados de albumina na urina — uma condição conhecida como albuminúria — tinham uma chance significativamente maior de desenvolver demência. A associação foi mais forte para a demência vascular, a segunda forma mais comum de demência depois do Alzheimer, e para a demência mista, que combina características de ambos os tipos.
De forma crucial, essa conexão se manteve verdadeira independentemente do funcionamento geral dos rins dos participantes. Em outras palavras, a proteína na urina parece prever o risco de demência de forma independente, mesmo quando os exames renais padrão apresentam resultados aparentemente normais.
Os resultados destacam o quanto rins e cérebro estão intimamente conectados. Ambos dependem de redes de vasos sanguíneos minúsculos e delicados para funcionar corretamente. Quando esses vasos são danificados — por hipertensão, diabetes ou outros fatores —, o mesmo tipo de dano que causa vazamentos nos rins pode afetar o cérebro.
Os rins agem como filtros, mantendo as proteínas úteis no sangue enquanto eliminam resíduos. Quando esses filtros são danificados, a proteína albumina começa a vazar para a urina.
O cérebro possui sua própria barreira protetora — a barreira hematoencefálica — formada por células compactas que impedem a entrada de substâncias nocivas no tecido cerebral. Assim como filtros renais danificados apresentam vazamentos, uma barreira hematoencefálica comprometida permite a passagem de toxinas e moléculas inflamatórias, o que pode desencadear alterações cerebrais que levam à demência.
Essa descoberta abre possibilidades promissoras para a prevenção. Diversos medicamentos já usados para proteger os rins também podem beneficiar a memória. Inibidores da ECA e ARBs, medicamentos para pressão arterial que reduzem o vazamento de proteínas, podem ter uma função dupla na proteção da saúde cerebral.
Medicamentos mais recentes também mostram potencial. Fármacos GLP-1, como a semaglutida (mais conhecida como Ozempic), e inibidores de SGLT2, como a dapagliflozina, foram originalmente desenvolvidos para o tratamento do diabetes, mas também reduzem a proteína na urina. Ainda não está comprovado se eles previnem a demência, mas os primeiros indícios são animadores.
Embora ainda não seja possível provar que o tratamento de problemas renais previne a demência — o que exigiria acompanhar participantes por décadas em ensaios controlados —, a via biológica faz sentido, especialmente considerando como os danos nos vasos sanguíneos afetam ambos os órgãos.
Prevenção
Quando começar a se preocupar com isso? Os danos vasculares se acumulam ao longo dos anos; portanto, quanto mais cedo ocorrer a intervenção, melhor. Para a maioria das pessoas, é sensato priorizar a saúde renal e cardíaca a partir da meia-idade, especialmente em casos de diabetes, hipertensão, doença renal, obesidade ou histórico familiar dessas condições.
Atualmente, médicos testam a presença de proteína na urina principalmente em pessoas com diabetes ou hipertensão. No entanto, os resultados levantam a questão sobre a necessidade de examinar todas as pessoas com mais de 50 anos, especialmente aquelas com múltiplos fatores de risco. Trata-se de um tema de saúde pública que exige mais pesquisas e debate político.
A boa notícia é que não é preciso esperar por novas diretrizes para agir. Mudanças no estilo de vida que protegem os rins também beneficiam o cérebro. Parar de fumar, controlar a pressão arterial e o açúcar no sangue, manter uma alimentação equilibrada e praticar exercícios regularmente podem reduzir o risco de doença renal e de demência.
Se confirmado por estudos futuros, o exame de proteína na urina poderá se tornar parte padrão das avaliações de risco de demência. É um teste barato, não invasivo e que pode ser realizado com tiras reagentes simples em qualquer consultório médico.
Embora ainda não exista cura para a demência, a detecção precoce e a prevenção continuam sendo as melhores ferramentas disponíveis. Ao reconhecer que a albumina na urina sinaliza mais do que apenas problemas renais, torna-se possível identificar e proteger pessoas em risco muito antes do surgimento dos problemas de memória. Às vezes, as pistas mais importantes sobre a saúde futura do cérebro são encontradas nos lugares mais improváveis. (Com informações de O Estado de S. Paulo)