Domingo, 26 de outubro de 2025

Feminismo sem bandeira

O feminismo voltou à pauta pelas mãos — ou melhor, pela fala — de Cíntia Chagas. Sim, a polêmica professora de português que bombou nas redes ao reensinar o brasileiro a usar corretamente a língua, acendeu um debate incômodo. Ao relatar ter sido vítima de violência doméstica, ela afirmou ter sido acolhida pelas feministas e pela esquerda — justamente o grupo que sempre criticou. E, no meio desse desabafo, deixou escapar uma ideia perigosa: a de que mulher de direita não é feminista. Como se uma coisa excluísse a outra.

Aqui, faço um parêntese importante: o acusado é deputado estadual por São Paulo — adivinhem? — por um partido de direita. Mas, convenhamos: tem homem batendo em mulher em absolutamente todos os espectros políticos. De direita, de esquerda, de centro. De tudo quanto é lado. Só nos primeiros sete meses de 2025, a Central de Atendimento à Mulher, do Ministério da Mulher, contabilizou 86.025 denúncias de violência — 16,91 por hora. E, convenhamos, esses foram apenas os casos registrados.

Mas voltemos à Cíntia: ela disse que sua posição antifeminista era uma forma de fuga, fruto de uma lógica conservadora que reduz a felicidade das mulheres à conquista de um casamento.

Eu concordo com ela de que, por anos, quiçá séculos, o sucesso de uma mulher se media pelo seu casamento. Em muitos aspectos, ainda é assim. Pensando bem, talvez haja uma explicação científica. Mas voltamos a esse ponto daqui a pouco. Fato é que o posicionamento da Cíntia foi bastante injusto para uma boa parcela da sociedade: as mulheres feministas de direita. Tipo eu. Possivelmente, tipo você. A Cíntia foi, basicamente, preconceituosa e, pior: tornou uma das pautas mais urgentes da sociedade brasileira — a violência contra a mulher, que nunca tem fim no nosso país — em bandeira ideológica exclusiva de um prisma político. Lamentável.

O termo feminismo surgiu no século XIX, cunhado pelo francês Charles Fourier, para descrever a ideia, então revolucionária, de que as mulheres mereciam os mesmos direitos civis, políticos e sociais dos homens. Era, portanto, um movimento de libertação — não de enquadramento. O objetivo era abrir portas, não erguer muros ideológicos. Com o passar das décadas, a palavra foi sendo sequestrada por discursos que confundem liberdade com militância e igualdade com ressentimento. O que nasceu como uma luta por emancipação acabou, muitas vezes, transformado em vitrine de intolerância travestida de empoderamento.

Com o tempo, o feminismo passou a integrar a pauta da esquerda — não porque essa corrente tivesse inventado a luta feminina, mas porque se apropriou do discurso da defesa das chamadas “minorias”. Ocorre que as mulheres nunca foram minoria. Somos mais da metade da população, estamos em todos os estratos sociais e exercemos funções fundamentais em cada esfera da vida. A subserviência feminina não é uma invenção partidária: é o produto de séculos de cultura patriarcal, que impôs à mulher o dever de servir, calar e aceitar. Ao transformar essa luta histórica em arma ideológica, a esquerda distorceu sua essência. O que deveria unir, passou a dividir. O que nasceu como causa humana, virou slogan de grupo. E, ironicamente, o movimento que pregava liberdade se tornou refém da cartilha política que dita o que pode — e o que não pode — ser dito, inclusive por mulheres.

A fala da Cíntia me entristeceu especialmente porque, ao tentar expor uma contradição, acabou diminuindo o valor — e a força — da mulher que se esforça para manter um casamento. Sim, há aquelas que o fazem por pressão social ou dependência financeira. Mas há também, e talvez em maior número, mulheres fortes, lúcidas e emocionalmente estruturadas que lutam por um casamento porque acreditam na parceria, na construção conjunta e no amor que amadurece com o tempo. A união de forças, a divisão de tarefas, o compartilhamento de sonhos: é disso que se faz uma família sólida. E é dessa base que se erguem crianças emocionalmente aptas e felizes. Preservar um casamento saudável não é submissão. É sabedoria.

Neste ponto, aliás, retomo o gancho que deixei em aberto no texto: diversos estudos da psicologia evolucionista indicam que, ao longo da história da espécie humana, as mulheres desenvolveram estratégias de sobrevivência ligadas à estabilidade e proteção. Pesquisadores como David M. Buss (Universidade do Texas, um dos maiores especialistas em comportamento reprodutivo) mostram que, evolutivamente, a mulher tendia a buscar parceiros capazes de oferecer recursos, proteção e comprometimento — fatores que aumentavam as chances de sobrevivência da prole. Essa predisposição não é sinônimo de dependência emocional, mas de inteligência adaptativa: uma forma de garantir segurança física, emocional e alimentar em sociedades ancestrais.

Feminismo não é monopólio da esquerda, nem selo de aprovação progressista. É o reconhecimento do direito da mulher de escolher — o que vestir, o que pensar, com quem ficar, ou com quem continuar. Enquanto o feminismo insistir em ser carteirinha ideológica, continuará negando a essência daquilo que o originou: a liberdade. E liberdade, essa sim, é o verdadeiro ato de coragem.

Mulher pode ser o que quiser, onde quiser, como quiser. E isso inclui ter a liberdade de ser feminina, de ser casada, de ser mãe, de ter como objetivo formar uma família.
Inclui, sim, poder ser tudo isso.
E, ainda assim, ser feminista.

Ali Klemt (@ali.klemt)

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