Quinta-feira, 13 de novembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 27 de março de 2023
O pagamento de pensões com valores de até R$ 39 mil a 60 mil filhas de ex-servidores públicos custa, por ano, R$ 3 bilhões. A Controladoria Geral da União (CGU) identificou nesse contingente de pensionistas 4 mil mulheres que recebem o benefício de forma irregular. A CGU cruzou dados de cartórios e descobriu que 2,3 mil se casaram ou mantêm união estável. Outras 1,7 mil ingressaram no serviço público.
Essas duas condições são vetadas às beneficiárias. A pensão para filhas solteiras de servidores de algumas categorias, como diplomatas, auditores fiscais e desembargadores, foi instituída em 1958. Em 1990, o governo deixou de reconhecer novas beneficiárias, mas a pensão continua a ser paga a quem já a recebia, como duas filhas do poeta Vinícius de Moraes, que foi servidor do Itamaraty.
Filha do poeta e compositor Vinícius de Moraes, Georgiana de Moraes recebe todos os meses do governo federal R$ 13 mil. Na condição de filha de diplomata – carreira menos conhecida de Vinícius –, ela ganhou o direito de ser remunerada pelo Estado brasileiro após a morte do pai, em 9 de julho de 1980. Assim como Georgiana, 60 mil filhas de ex-servidores públicos recebem pensão de até R$ 39 mil por mês por serem solteiras. A despesa custa aos cofres públicos, por ano, aproximadamente R$ 3 bilhões.
Uma auditoria do governo identificou que 4 mil mulheres burlaram a legislação que lhes garantiu o benefício, mas seguem recebendo a mesada. O pente-fino da ControladoriaGeral da União (CGU) cruzou dados de cartórios de todo o País e descobriu que 2,3 mil se casaram ou mantêm união estável. Outras 1,7 mil ingressaram no serviço público. Essas duas condições são vetadas pela lei. Os pagamentos irregulares resultam num prejuízo de R$ 145 milhões por ano ao País.
Georgiana vive atualmente com um companheiro, que se apresentou como Carlos Alberto. Ao Estadão, ele disse que os dois são “casados”. Ela confirmou que os dois moram juntos “há algum tempo”, mas negou o matrimônio. Questionada sobre as condições da união, Georgiana não atendeu mais a reportagem. Outra filha de Vinícius de Moraes, Maria Gurjão de Moraes recebe pensão pela morte do pai desde os dez anos. Hoje, com 53 anos, o valor do benefício é de R$ 13.684. O advogado dela foi procurado, mas não respondeu.
As irmãs e outras beneficiárias tiveram a mesada cancelada em 2016, após uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) considerar irregular o pagamento a mulheres que possuíssem renda própria, como emprego na iniciativa privada ou atividade empresarial, por exemplo. Georgiana é psicóloga, cantora e empresária. Maria é empresária, nas áreas de cultura e publicidade.
Supremo
A decisão do TCU foi suspensa menos de dois anos depois pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. O ministro afirmou que o Tribunal de Contas não poderia retirar um benefício previsto em lei e determinou a volta do pagamento a filhas de servidores mesmo se elas trabalhassem (mais informações nesta página ). Com isso, a mesada foi retomada e as beneficiárias também receberam valores retroativos ao período – no caso das filhas de Vinícius de Moraes, a soma foi de R$ 381 mil.
No mês passado, o governo gastou R$ 235 milhões com as 60 mil filhas solteiras de exservidores, de acordo com dados do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos compilados pelo Estadão. A despesa anual de R$ 3 bilhões bancaria, durante um ano, 180 mil aposentadorias do INSS no valor de R$ 1.302 pagas a quem tem 15 anos de trabalho e 60 anos de idade.
Lei
A mesada começou a ser paga às filhas de funcionários públicos no governo de Juscelino Kubitschek, em 1958, quando foi aprovada a Lei 3.373, com a justificativa de que as mulheres não poderiam se sustentar sem pai ou marido. Depois disso, apesar das mudanças sociais e de costumes, a pensão foi mantida. Em 1990, o governo deixou de reconhecer novas beneficiárias, mas a mesada continuou para quem já estava na folha de pagamento.
Recebem o benefício filhas solteiras de ex-juízes, auditores fiscais, defensores públicos, escrivães, procuradores, delegados, desembargadores, assistentes jurídicos, peritos, professores e policiais. Há, ainda, filhas de diplomatas, ministros de Estado e ministros do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do TCU.
Ao Estadão, Anna Maria disse que passou a vida inteira sozinha e é solteira. “Eu gostaria de ter casado e de ter tido filhos, mas, lamentavelmente, não tive essas duas coisas”, afirmou. Assim, ela recebe do governo brasileiro R$ 27.369 todos os meses.
A dentista Elisa Beatriz Ramalho Trigueiro Mendes, de 53 anos, é filha do ex-auditor fiscal da Receita Federal Durval Bartolomeu Trigueiro Mendes. Tinha 12 anos quando o pai morreu, em 1981, e herdou dele uma pensão. Desde então, recebe o benefício. Hoje, o valor é de R$ 26.075,71.