Terça-feira, 01 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 30 de junho de 2025
Na mira de uma futura investigação no Congresso, os descontos indevidos a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) já eram relatados e denunciados publicamente há pelo menos seis anos em plataformas digitais sem gerar, no período, nenhuma movimentação do poder público, tanto durante o governo de Jair Bolsonaro quanto na atual gestão, de Luiz Inácio Lula da Silva.
O quadro é apontado por um levantamento inédito feito pela Escola de Comunicação da FGV, que identificou antigas e constantes menções aos descontos indevidos feitos por associações que se tornaram alvo da Operação Sem Desconto, deflagrada em abril pela Polícia Federal e Controladoria-Geral da União (CGU) para desarticular o esquema.
Com o auxílio de inteligência artificial, os pesquisadores da FGV analisaram 152 mil vídeos e varreram diferentes bases de dados. Apenas no YouTube foram localizados 108 vídeos com denúncias e dicas sobre formas de cancelar as retiradas e reaver valores desviados das aposentadorias, entre janeiro de 2019 e março de 2025, nos maiores canais sobre Previdência do País. Ao todo, esses conteúdos tiveram juntos 750 mil visualizações — com alta no volume principalmente em 2024.
Foram identificadas ainda mais de 142 mil pesquisas no Google Trends, desde 2019, com os nomes das associações suspeitas de terem se beneficiado com os descontos aos aposentados e pensionistas, além de mais de 30 mil reclamações sobre as cobranças indevidas no Reclame Aqui e dez mil peças processuais relacionadas ao tema registradas no Jusbrasil, uma das principais plataformas jurídicas do país.
– Registros no Reclame Aqui: + de 30 mil reclamações de cobranças indevidas entre janeiro de 2019 e março de 2025. Casos se referem aos registros feitos nas páginas das associações investigadas.
– Processos no Jusbrasil: + de 10 mil peças processuais sobre as cobranças indevidas contra as associações investigadas entre janeiro de 2019 e março de 2025.
Todo esse rastro digital, avaliam os autores do levantamento, confirma que as fraudes eram denunciadas na internet bem antes de serem identificadas e gerarem reação dos órgãos responsáveis, como o Ministério da Previdência e o próprio INSS.
“Não é algo que aconteça agora, atravessa administrações. Podemos identificar um problema de construção dentro da estrutura do Estado de mecanismos que façam esse tipo de avaliação, que antecipem problemas estruturais da gestão pública e de imagem”, defende o diretor Escola de Comunicação da FGV, Marco Aurélio Ruediger.
“Há um déficit de compreensão do potencial que o debate na internet pode trazer para políticas públicas e para a própria política. O debate estava correndo ali, só não era capturado. Se isso tivesse acontecido, as fraudes poderiam ter sido combatidas antes”, continua.
A investigação da PF aponta que as “medidas preventivas” para impedir a ocorrência das fraudes não foram “sustentadas” pelo INSS “a despeito das reiteradas manifestações da ocorrência de descontos associativos indevidos”. Entre 2019 e 2024, segundo investigação, ao menos 4,2 milhões de aposentados e pensionistas foram vítimas de cobranças ilegais feitas por entidades associativas conveniadas ao INSS. De acordo com a PF, mais de R$ 6 bilhões foram subtraídos de forma irregular por meio de convênios firmados sem autorização expressa dos beneficiários.
No YouTube, canais de advogados especializados em direito previdenciário se destacam entre os grupos que mais abordaram o tema no período. Em um vídeo publicado em 20 de maio de 2024, quase um ano antes da operação para estancar os recolhimentos ilegais, Pedro Leal, do canal Benefícios INSS, por exemplo, alertou para casos de descontos indevidos de aposentados e pensionistas.
Leal conta o caso de um parente que identificou um desconto de R$ 57,75 em seu extrato do INSS para a União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub). A entidade é uma das que aparecem na lista de investigadas pela PF.
“Esse desconto, sem assinatura de contrato, é irregular. A pessoa da minha família está orientada e já em contato com o advogado para entrar na Justiça por danos morais. Como os dados deles chegaram até essa associação?”, questionou.
Após ter seu nome veiculado aos descontos indevidos, a entidade divulgou uma nota em que disse reafirmar seu “compromisso com a legalidade, a ética e a transparência” e afirmou entender que as apurações devem acontecer com “independência, responsabilidade e pleno respeito ao devido processo legal”.
Apesar de o esquema ter sido desbaratado a partir de apuração da CGU do governo Lula, foi no atual mandato do petista que os descontos indevidos explodiram e há suspeitas recaindo sobre entidades historicamente ligadas ao PT, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
A deflagração da Operação Sem Desconto, em abril, levou à exoneração do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e à prisão de operadores do esquema, entre eles o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS. O escândalo de descontos indevidos também causou a saída do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi (PDT). Com informações do jornal O Globo.