Domingo, 06 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 1 de maio de 2022
Antes mesmo da ordem de invasão, satélites comerciais já informavam o mundo sobre a movimentação das tropas russas na fronteira ucraniana. Iniciado o conflito, dados obtidos por eles foram usados para tudo: desde provar massacres até combater a desinformação. Mais avançados, baratos e independentes, os satélites comerciais encontraram na guerra uma chance de expansão.
Não é a primeira vez que o uso de satélites marca uma guerra. A primeira foi a do Golfo (1990-1991), que popularizou os sistemas de GPS. Com satélites em órbita, forças americanas tiveram vantagens estratégicas no Kuwait e no Iraque, conseguindo desmantelar rapidamente o Exército de Saddam Hussein.
Satélites foram cruciais também nas guerras do Afeganistão, Síria e na anexação russa da Crimeia, em 2014. Mas é primeira vez em que permitem provar com tanta precisão atrocidades de guerra – ao demonstrar, por exemplo, que cadáveres com sinais de execução na cidade de Bucha não foram “plantados” por forças ucranianas. Tornaram-se uma espécie de câmera de segurança voltada para um quintal chamado Terra, capaz de registrar um crime em escala universal.
“É uma indústria em crescimento”, afirma Anuradha Damale, pesquisadora do Conselho de Informação de Segurança Americano-Britânico. “A tecnologia está mais disponível, tem maior capacidade e é menos cara – embora ainda não seja barata.”
Existem dois tipos principais de satélites comerciais. Os pertencentes às empresas Maxar Technologies e Planet produzem imagens ópticas, usando sensores infravermelhos visíveis, infravermelhos próximos e de ondas curtas para produzir imagens fotográficas. Há limitações, já que satélites que dependem de luz visível ou infravermelha não podem ver através de nuvens e não são tão eficazes à noite.
Versatilidade
Mais desenvolvido, o SAR (Synthetic Aperture Radar), de empresas como Capella e Airbus, emite sinais de radar de micro-ondas na superfície da Terra para detectar propriedades físicas. Ele pode ser usado para capturar e rastrear movimentos de pequena escala na superfície – como o de tropas – e funciona em todos os tipos de clima e à noite.
Na guerra, a utilidade dos satélites é incontestável. “A captura de imagens permite o monitoramento contínuo da situação sem colocar vidas em perigo”, explica Kelly Winter, porta-voz da SkyWatch, plataforma de compra de imagens de satélites. “O monitoramento ajuda a identificar ações futuras, para que as pessoas no local sejam mais bem informadas e preparadas.”
As informações capturadas por satélites de companhias privadas se tornaram tão importantes que Mykhailo Fedorov, vice-premiê da Ucrânia, fez em março um apelo para que as empresas compartilhassem as imagens com os ucranianos.
“Precisamos observar o movimento das tropas russas, especialmente à noite”, escreveu ele no Twitter. “Esta é a primeira grande guerra em que as imagens de satélite disponíveis comercialmente podem desempenhar um papel significativo no fornecimento de informações de código aberto sobre mobilização militar, fluxos de refugiados e muito mais.”
Antes atrelados a governos e à inteligência militar, os satélites estão hoje também nas mãos de empresas privadas. Empresas como Maxar, BlackSky e Planet ganharam tamanho e importância, mudando a dinâmica de acesso à inteligência.
Parcerias
O governo americano investe em parcerias com empresas privadas de satélites há anos. O Pentágono tem acordos com ao menos dez empresas. Agências de inteligência também trabalham com companhias privadas. A National Geospatial-Intelligence Agency (NGA), por exemplo, usa imagens de pelo menos 200 satélites comerciais.
“O uso de satélites não é novo. A diferença é que, agora, essas imagens são muitas vezes terceirizadas de companhias privadas para os governos”, disse Damale.
Outra mudança foi em relação a quem tem acesso aos dados. Embora seja o principal cliente da Maxar – a quem paga US$ 300 milhões por ano para acessar quatro satélites e arquivos de imagens de alta resolução – e tenha “direitos de preferência” para a atribuição dos satélites, o governo americano não é o único cliente. Como fornecedor comercial, a Maxar pode vender ou divulgar publicamente seus dados.
Sem o selo de “informação confidencial” e com acesso liberado a quem paga por elas – em valores que chegam a US$ 2,50 por km² –, as imagens ganharam tração e chegaram ao público, se proliferando entre cidadãos comuns, difundidas pela imprensa, redes sociais, ONGs e indivíduos.
Um caso interessante é o da Conflict News, uma conta do Twitter com mais de 450 mil seguidores. O perfil compartilha fotos e vídeos do conflito compradas na plataforma SkyWatch ou disponibilizadas em sites na internet.