Sábado, 27 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 13 de abril de 2023
A divergência escancarada entre dois magistrados ajuda a entender as polêmicas que giram em torno do Inquérito das Fake News, que completou quatro anos de tramitação em março. Aberta sem provocação de autoridade policial ou do Ministério Público — o que, para alguns especialistas, fere a Constituição —, a ação virou, nas últimas semanas, uma espécie de “arma política” do governo e da oposição, com representantes de diferentes correntes ideológicas utilizando pedidos de inclusão de alvos na investigação em busca de desgastar adversários.
Sob responsabilidade de Alexandre de Moraes, o inquérito já resultou, por exemplo, no bloqueio de mais de cem perfis nas redes sociais, quase sempre de figuras alinhadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, inclusive parlamentares. Não é à toa que, até o fim do ano passado, as apostas do meio jurídico indicavam que a investigação perderia força com a derrota do então candidato à reeleição. Os ataques de 8 de janeiro, no entanto, mudaram a temperatura na Corte, sem sinais de encerramento no horizonte.
Em 20 de março, o ministro da Justiça, Flávio Dino, pediu a inclusão no inquérito de dois filhos de Bolsonaro, Flávio e Eduardo, e de outros cinco políticos alinhados ao ex-presidente que fizeram insinuações falsas sobre uma agenda do ex-governador do Maranhão no Complexo da Maré, no Rio. Quatro dias depois, o troco: o senador Rogério Marinho, ministro na gestão anterior, pleiteou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornasse-se alvo da apuração por conta da acusação infundada sobre ter sido uma “armação de Moro” a operação da Polícia Federal que desbaratou um plano da maior facção criminosa do País contra o ex-juiz da Lava-Jato.
Moraes negou o pedido de Marinho por não enxergar “indícios mínimos da ocorrência de ilícito penal”, mas, como o inquérito tramita em segredo de Justiça, não há como saber se o ministro já debruçou-se sobre a demanda apresentada por Dino. Pelo mesmo motivo, é impossível enumerar ao certo quantos são os alvos do procedimento, em mais um elemento que gera críticas de uma parcela dos juristas.
Em peças públicas e informações divulgadas pelo próprio STF, ao menos 30 investigados que tiveram, em algum momento, contas retidas nas redes sociais por decisões de Moraes no âmbito do inquérito. A lista vai de empresários, como Luciano Hang (Havan) e Edgar Corona (Smartfit), passa por militares como o general da reserva Paulo Chagas e inclui parlamentares como Carla Zambelli e Bia Kicis, ambas correligionárias de Bolsonaro no PL. Como cada um possuía dois ou mais perfis em diferentes plataformas, o número total sobe consideravelmente. Há ainda aqueles que, como o blogueiro Alan dos Santos, atualmente foragido no Estados Unidos, tentaram sucessivas vezes recriar as contas em descumprimento à ordem judicial, sofrendo novas sanções semelhantes, ajudando o número total a superar, no mínimo, uma centena de bloqueios.
Embora tenha virado, na avaliação de seus defensores, uma importante ferramenta contra o compartilhamento de informações falsas, o inquérito nem sempre teve esse objetivo tão bem delineado. Então presidente do STF, o ministro Dias Toffoli determinou a abertura do procedimento em 14 de março de 2019, um dia depois de um procurador da Lava-Jato, Diogo Castor de Mattos, acusar a Corte de tramar um “novo golpe” contra a força-tarefa ao determinar que crimes comuns cometidos em conexão com delitos de campanha fossem subordinados à Justiça Eleitoral — esfera que, na avaliação à época do membro do MP, “não manda ninguém para a prisão”.
A crítica gerou uma série de reações de Toffoli, que enviou representações contra Mattos ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e à Corregedoria do Ministério Público Federal (MPF). Já o inquérito foi instaurado sob a justificativa de que o regimento interno do STF prevê essa possibilidade nos casos de “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal”. Neste caso, diz o artigo 43 da normativa, “o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”. Toffoli escolheu Moraes, sem o sorteio entre magistrados que costuma ocorrer na Suprema Corte.