Segunda-feira, 04 de agosto de 2025

Jamais houve uma ingerência tão escancarada dos americanos na política doméstica brasileira

Conhecedores da história da política externa brasileira e do elo bicentenário entre Brasil e Estados Unidos afirmam, sem titubear, que o momento atual é o mais crítico de uma relação bilateral que acumula crises. Apontam ainda que jamais houve uma ingerência tão escancarada dos americanos na política doméstica brasileira como agora, sob a batuta de Donald Trump. Em alguns casos do passado, a reação por aqui também foi de apelar para a soberania nacional, como faz agora o presidente Lula (PT). Entre os componentes que conferem peculiaridade à crise vigente está a falta de canal entre Planalto e Casa Branca.

A carta em que Trump anunciou as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros já havia sido considerada uma forma brusca de intervenção por associá-las ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu por ter orquestrado uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse de Lula. Na semana passada, a interferência ficou ainda mais explícita quando Trump acionou contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Lei Magnitsky, criada a fim de punir supostos violadores de direitos humanos.

— Não tenho a menor dúvida em afirmar que é o ponto mais baixo nos mais de 200 anos de relação entre Brasil e Estados Unidos — afirma o embaixador Rubens Ricupero, autor de “A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016”.

O ineditismo de agora, observa o diplomata de 88 anos que chegou a ser embaixador naquele país, passa por quão cristalina é a ingerência americana:

— Há uma interferência aberta nos assuntos de soberania de maneira pública e reiterada.

Referência nos estudos sobre a relação entre os dois países, o professor da FGV Matias Spektor segue a mesma linha. Sim, diz ele, os EUA intervieram no Brasil em outros momentos decisivos, como o golpe de 1964 e a Revolta da Armada, quando o presidente Floriano Peixoto contou com ajuda americana para lidar com os revoltosos da Marinha. Mas nada se deu de forma tão escancarada como agora.

— Esta é a principal ingerência dos EUA na política interna brasileira dos últimos 60 anos — diz. — Agora, no entanto, como sabemos da demanda por terras raras e minerais críticos, há também uma desfaçatez.

Ao longo da História, houve outras crises políticas e comerciais. Depois da Revolta da Armada e do golpe de 1964, que se encaixam na categoria de ingerência, o momento de maior estresse se deu nos governos do general Ernesto Geisel (1974-1979) e do americano Jimmy Carter (1977-1981). O democrata chegara à Casa Branca depois de mencionar em campanha as violações de direitos humanos no Brasil durante a ditadura, causa sobre a qual a primeira-dama Rosalynn Carter se debruçou.

— Quando Carter criticou a situação dos direitos humanos no Brasil, o governo ditatorial do Geisel teve como reação abandonar unilateralmente o acordo de cooperação militar que os países tinham desde 1952 — explica Spektor.

‘Soberania’

Revisitar a História permite ver que nos episódios de estremecimento da relação o embate com os americanos fortaleceu os governos brasileiros, que apelaram à defesa da soberania nacional. A narrativa contra um inimigo externo foi capitalizada por chefes de Estado civis e militares, e o caso de Geisel foi dos mais explícitos.

Antes mesmo da posse de Carter, o polonês Zbigniew Brzezinski, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, afirmou que o memorando nuclear entre Brasil e Alemanha era “o pior exemplo da má diplomacia” e “uma bofetada na cara do povo americano”.

A tensão entre Carter e Geisel elevou-se ainda mais com a questão dos direitos humanos. Em 1977, Rosalynn se reuniu no Brasil com figuras como o cardeal Paulo Evaristo Arns e recebeu denúncias sobre tortura. No ápice da crise, a gestão Carter enviou ao Brasil um relatório de violações elaborado ainda durante o governo Gerald Ford (1974-1977). O documento foi devolvido aos Estados Unidos por decisão do então chanceler de Geisel, Azeredo da Silveira.

— O embate com Carter fortaleceu Geisel e propiciou, entre os militares, uma mudança de visão. Ficou claro que era preciso diversificar as relações do Brasil. Esse processo deu espaço para a abertura democrática no país — afirma Regina Soares de Lima, professora do Iesp-Uerj.

Para Lima, que conduziu longas entrevistas com Silveira sobre o período no Itamaraty, o acordo nuclear com a Alemanha tinha sentido estratégico para os militares, e o que estava em jogo, assim como agora, “era a soberania brasileira”.

A reação do governo Geisel foi das mais fortes vistas até hoje, o que fortaleceu o general na caserna.

— O principal elemento que fortaleceu Geisel perante os militares foi a política externa. Ele chegou a declarar o sionismo como uma forma de racismo. Eram formas de mostrar autonomia e independência — aponta João Daniel Lima de Almeida, professor de política externa brasileira da PUC-Rio. As informações são do portal O Globo.

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