Quarta-feira, 07 de maio de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 6 de maio de 2025
John Lennon não tinha medo de perder a vida. Em 1976, após ouvir do ex-Beatle que o assassinato do ator hollywoodiano Sal Mineo poderia ter acontecido com qualquer pessoa, o apresentador de rádio e TV Elliot Mintz, com 30 anos à época e chocado com a perda do amigo, tentou convencer o músico a contratar um guarda-costas.
Mintz percebeu que nada do que argumentasse alteraria a opinião de Lennon ou de sua esposa, Yoko Ono. Esta disse: “Não é possível impedir algo que está destinado a acontecer. Uma vez, nos consultamos com uma das melhores quiromantes da Grécia e ela disse que John seria morto em uma ilha. Deveríamos então evitar ilhas a todo custo? Não deveríamos nunca sair de casa? Se for para acontecer, vai acontecer”.
Essa conversa na residência dos Lennon, em Manhattan, a convivência intensa e as ligações telefônicas de Mintz com o casal estão no livro “John, Yoko e eu”. A ideia para o livro foi amadurecida em conversas durante anos de Elliot Mintz com Sean Lennon, filho do casal.
Aos 80 anos, Mintz afirma que a diferença de idade (Lennon era cinco anos mais velho do que ele) não atrapalhava a amizade entre os três. “Nós viemos de diferentes backgrounds, mas crescemos durante os mesmos grandes eventos. Houve a chegada do homem à Lua, Woodstock, o assassinato de John F. Kennedy e a Guerra do Vietnã em um período de grande agitação nos Estados Unidos. O país era muito dividido, um pouco como hoje, e as paixões estavam à flor da pele”, diz.
Mintz conheceu Yoko em seu programa de entrevistas na rádio KLAC em 1971 e, depois, foi aos poucos se aproximando, ou melhor, sendo abordado pelo casal. No dia seguinte à entrevista, ela, para surpresa de Mintz, ligou em sua casa para agradecer a oportunidade de falar de seu trabalho como artista, e não apenas de John Lennon e dos Beatles.
“Ninguém que eu havia entrevistado antes se dera o trabalho de ligar para agradecer. Era um gesto tão simples, mas ao mesmo tempo tão atencioso e inesperado, que me deixou pasmo”, diz.
Yoko acabou se tornando uma espécie de professora, uma guia sábia e erudita, e Mintz, o seu jovem discípulo. “Não só estava recebendo sabedoria dela, mas também senti que ela estava em contato com outras forças mágicas. Yoko tinha contato com numerólogos, astrólogos e leitores de cartas de tarô que poderiam dar alguma informação que geralmente não é acessada somente pela razão”, diz. “E ela compartilhou isso comigo e com o John. Então havia outra dimensão para a sua sabedoria.”
Já as conversas com Lennon muitas vezes se tornavam debates acalorados ou desabafos “Os Rolling Stones nos imitaram! Dá uma olhada nos discos! O ‘Their Satanic Majesties Request’ veio logo depois de ‘Sgt. Pepper’s’. Nós fizemos primeiro. A única diferença é que nos rotularam como bons moços, enquanto eles foram vendidos como revolucionários. Os Beatles revolucionaram a música, não os Rolling Stones!”, disse o ex-Beatle.
Conversar sobre Bob Dylan, de acordo com Mintz, ativou “um vulcão de ressentimentos e inveja reprimidos”. “Todo mundo olha pra ele como se fosse um gênio. E todo mundo lembra dos Beatles por causa de ‘I Want to Hold Your Hand’. Mas sou um compositor tão bom quanto Dylan!”, disse Lennon. “Minhas canções são muito simples, muito diretas. Há poesia, mas é uma poesia roqueira da classe trabalhadora. É isso que faço: rock’n’roll! Não sei que nome dar ao que ele faz!”
A respeito dos Beatles, Lennon conta curiosidades: “Foi como um casamento. Gostei mais do início do que do fim, quando fazíamos aqueles shows ao vivo e ninguém conseguia ouvir a música por causa de toda aquela gritaria. Todo mundo se divertia gritando e berrando, mas a gente sofria no palco. Entramos no piloto automático. Não conseguíamos ouvir nossa própria voz enquanto cantávamos”.
Atribuir o fim dos Beatles a Yoko Ono, algo que muitos fazem até hoje, é injusto, afirma Mintz. Ele cita sua entrevista com Lennon na praia em Malibu, na Califórnia, disponível no YouTube, na qual o assunto é abordado.
“Perguntei a ele: ‘Você sabe por que os Beatles terminaram?’. Se você for na internet, ouvirá John dizer: ‘Porque nós já tínhamos vivido o suficiente [como os Beatles]; cada um de nós sabia disso. Cada um seguiu o próprio caminho’. Essa é a razão”, diz o autor.
Outro episódio que ilustra essa situação foi quando Paul McCartney fez uma visita surpresa a Lennon para aconselhar o velho amigo em uma separação do casal durante uma crise. McCartney explicou, passo a passo, o que Lennon deveria fazer para reconquistar Yoko: cortejá-la, chamá-la para sair, oferecer flores e presentes, além de se mostrar íntegro e arrependido dos excessos com o álcool e da infidelidade. Mintz não consegue dimensionar a importância da conversa, porém, depois dela, o casal se acertou.
Após a morte de Lennon em 1980, Mintz resolveu um dia questionar Yoko a respeito de suas crenças e das opiniões e previsões de seus conselheiros. Para surpresa de Mintz, Yoko havia sido avisada por eles de que Lennon corria risco em Nova York e, por isso, insistiu na viagem do marido às Bermudas para compor as músicas do álbum que seria o último de sua carreira.
Tanto as palavras dos conselheiros quanto as de Mintz, depois da morte de Sal Mineo, deveriam ter evitado o crime e mudado a história de ambos? “Eu sempre me perguntei sobre isso. E eu não sei. Yoko pensou muito nisso como o destino. Porque eles [Lennon e Yoko] tinham leituras [das cartas de tarô e outras], mas também as suas próprias intenções. O assassino também. O assassino podia achar, em sua mente doentia, que era seu destino matar John”, diz.