Quinta-feira, 25 de abril de 2024

Lembranças do nazismo freiam avanço da extrema direita na Alemanha

Do terraço do café Le Populaire, é possível ver um pedaço da história alemã. Nesta mesma praça de Berlim, os nazistas se dedicaram a queimar livros assim que chegaram ao poder, um aviso de que logo depois iriam atrás das pessoas. Em frente está o monumento à Nova Guarda (Neue Wache), erguido para as vítimas da guerra e da tirania. Ali, o historiador René Schlott reflete sobre o que significou para a Alemanha o fato de, pela primeira vez desde a década de 1950, a extrema direita ocupar assentos na atual legislatura do Parlamento.

“Do Bundestag, a Alternativa para a Alemanha (AfD) tem contribuído para polarizar os debates, seja sobre a pandemia, a Europa ou imigração”, afirma o pesquisador do Centro de História Contemporânea de Potsdam.

Mas em um tema a AfD fracassou estrondosamente: a tentativa de alguns de seus líderes de instrumentalizar o passado mais sombrio do país. Eles se depararam com um consenso muito sólido.

O partido de extrema direita que fez história em 2017 ao se posicionar como terceira força política da Alemanha não vive seu melhor momento. As pesquisas antecipam 11% dos votos para a AfD nas eleições deste domingo (26), um percentual que não é desprezível, mas que é inferior aos 12,6% de quatro anos atrás.

Com esse número, a AfD ficaria na quarta ou quinta posição, muito parecido com os liberais do Partido Democrático Liberal (FDP). E, aconteça o que acontecer no pleito, nenhum partido vai negociar nada com eles. Além disso, seus temas favoritos foram relegados nesta campanha — nem imigração, nem segurança estão agora no centro do debate. A direita radical alemã está se agarrando nestes meses a uma confusa mensagem negacionista e contra as restrições impostas para conter a pandemia da covid-19.

Ficaram bem para trás as bombas retóricas que alguns líderes da ala mais direitista da AfD lançaram na primeira metade da legislatura que agora está terminando.

“Hitler e os nazistas são apenas cocô de pássaro em comparação com mil anos de história de sucesso alemão”, disse em 2018 Alexander Gauland, um dos dois porta-vozes parlamentares do partido.

Dois anos depois, ele jogou mais sal na ferida. Quando 80 mil pessoas assinaram uma petição para tornar feriado o 8 de maio, dia em que se comemora o fim do Terceiro Reich, Gauland foi inflexível em sua rejeição.

“Foi uma libertação para os prisioneiros dos campos de concentração, mas também um dia de derrota total e perda de grande parte da Alemanha”, disse.

Depois dessas palavras, a indignação percorreu todo o espectro político.

Às vésperas das eleições, frases como essas desapareceram da campanha. A AfD percebeu que as tentativas de introduzir nuances na culpa alemã não dão votos. O prestigiado historiador Heinrich August Winkler, que acaba de publicar “A luta pela história alemã”, garante:

“Alguns líderes tentaram explorar o passado nazista de uma perspectiva nacionalista, pondo em dúvida o consenso sobre o assunto. Esse ataque a uma das bases em que a nossa democracia se baseia explica por que nenhum partido está considerando qualquer tipo de cooperação com a AfD.”

A visão da Alemanha sobre seu próprio passado mudou muito nas últimas décadas. Um golpe fundamental veio em 1985, quando o presidente Richard von Weizsäcker definiu o 8 de maio como o dia da libertação.

“Libertou todos nós da tirania nacional-socialista que desprezava os direitos humanos”, disse ele.

Um ano depois, se deu a chamada “luta dos historiadores”, em que intelectuais de todo o país discutiram a especificidade do Holocausto em comparação com outros regimes totalitários e sanguinários.

Todos esses debates, afirma o sociólogo Walther L. Bernecker, já estão muito superados. Portanto, a tentativa da AfD de abrir essa ferida falhou.

“Fracassaram porque representam uma posição muito minoritária”, afirmou. “Mas também porque os historiadores já abordam com normalidade temas como o sofrimento do povo alemão durante a guerra ou o fato de que alguns bombardeios foram desnecessários, sem que isso implique em nenhum momento questionar a culpa do regime nazista.”

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