Domingo, 10 de agosto de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 9 de agosto de 2025
A passagem de seis dias do presidente Lula da Silva pela França, em junho, rendeu promessas de investimentos, fotos com a Torre Eiffel verde e amarela, celebração pelos 200 anos de relações bilaterais e um alerta do empresariado francês ao Brasil: “Não façam como nós”. A advertência, relativa à redução da jornada de trabalho sem um equivalente aumento da produtividade, veio mais de um mês após a viagem, na forma de artigo publicado por Patrick Martin, presidente da maior federação patronal do país, o Mouvement des Entreprises de France (Medef), no jornal O Globo.
O Medef atua como porta-voz dos interesses de empresas de todos os portes, influenciando em políticas públicas e regulamentação do ambiente de negócios. Em encontro privado com o presidente brasileiro em Paris, um grupo de empresários franceses manifestou a intenção de investir R$ 100 bilhões no Brasil até 2030 e ouviu de um empolgado Lula que reformas ajudariam a levar o Brasil da décima para a sexta posição entre as maiores economias do mundo.
Uma delas em especial chamou a atenção de Martin, a ponto de escrever o artigo em que fala sobre a experiência francesa de mais de 20 anos de adoção de jornada de trabalho reduzida, que garantiu ao país a terceira menor carga horária da Europa, ao mesmo tempo em que lhe conferiu uma taxa alta de desemprego. O empresário não entrou no mérito sobre o que pode ser considerada uma carga horária ideal, tampouco discorreu sobre semelhanças e diferenças conjunturais entre os dois países. Concentrou-se apenas na principal condição econômica que permite a redução de jornada sem efeitos colaterais adversos: a produtividade.
Na França, lembrou Martin, o tema ganhou destaque nas eleições legislativas de 1997. “O slogan das 35 horas semanais partia de uma constatação real: o trabalho tende a diminuir com o aumento da produtividade. Mas é o aumento da produtividade que permite a redução da jornada, e não o contrário. Esse slogan populista influenciou o voto dos franceses”, escreveu.
O aumento da produtividade – obtido por meios sobejamente conhecidos, como investimentos em inovação e tecnologia, qualificação profissional e melhoria do ambiente de negócios – tende não apenas a reduzir a carga de trabalho como também a acelerar o crescimento econômico, melhorar a renda per capita e combater a desigualdade. Mas essa série de consequências positivas depende da relação entre o que é produzido e o que foi necessário para a sua produção: tempo, mão de obra, material e esforço.
No Brasil, há projetos em discussão na Câmara e no Senado com diferentes propostas de redução de jornada de trabalho, mas nenhuma terá o condão de elevar a produtividade, que há décadas patina no Brasil. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), que monitora a produtividade desde 1981, identificou uma tendência de queda contínua a partir de 2017, com breve interrupção no período da pandemia.
Leis não resolvem simplesmente porque é a dinâmica do trabalho que define a qualidade da produção e a competitividade. Em um de seus escritos mais citados sobre produtividade, Paul Krugman, Nobel de Economia, diz que, no curto prazo, outros fatores podem contribuir para o crescimento econômico, mas que, no longo prazo, somente o aumento da eficiência na produção de serviços e bens pode determinar o padrão de crescimento de um país.
Com isso, ganha ainda mais importância o alerta sobre a França depois que o bordão populista da campanha de 1997 virou lei. Patrick Martin lista as consequências: o custo por hora trabalhada aumentou 10%; o Estado precisou socorrer empresas com bilhões de euros por ano; a competitividade caiu; houve perda de mercado e desindustrialização; empresas ficaram desorganizadas; serviços de saúde perderam eficiência; e houve desequilíbrio na balança comercial.
Ele cita que em 1980 o PIB per capita na França era equivalente ao dos Estados Unidos e hoje está 45% abaixo. “Qual a lição? É perigoso contar com ganhos de produtividade antes de gerálos. A França perdeu essa aposta e ainda busca uma saída.” Que o Brasil não cometa o mesmo erro. (Opinião/O Estado de S. Paulo)