Segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Lula precisará ser hábil em conversa com Trump: ele deve evitar que discussão enverede para Bolsonaro e se concentrar em comércio e temas da agenda bilateral

Ainda em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, com exceção da soberania nacional e da democracia, “não tem limite” a conversa com o presidente americano, Donald Trump.

Foi um evidente exagero. Os limites são claros. Serão ditados pela realidade de países com interesses nem sempre convergentes e de governos com inclinações ideológicas antagônicas. Apesar disso, o Brasil deve fazer o possível para alcançar um acordo com os americanos.

A tentativa de golpe perpetrada por Jair Bolsonaro já causou dano demais. O tarifaço e as sanções só alimentam o antiamericanismo. É preciso trabalhar com afinco para superar as tensões. A mera perspectiva do encontro com Trump é sinal de que, até o momento, a estratégia de Lula tem dado certo.

Ele citou várias áreas em que a negociação é possível: empresarial, tecnológica, científica, comercial e mineral. A agenda bilateral também inclui a essencial questão militar. Em todos esses temas, pode haver avanços com benefícios mútuos.

Um fator de risco é a imprevisibilidade de Trump. Outro é a soberba de Lula, que insinuou até assumir um papel nas negociações entre Rússia e Ucrânia. Ambos, contudo, podem ser perfeitamente contornados.

Brasileiros e americanos não estão ligados apenas pela História e pela geografia. O Brasil é o nono maior destino de produtos americanos e o quinto no ranking dos países com que os Estados Unidos registraram maior superávit comercial.

Na América Latina, as empresas americanas só investem mais no México. Do ponto de vista brasileiro, os Estados Unidos são o segundo mercado para as exportações e o país responsável por um terço dos investimentos estrangeiros. A presença americana é sentida nos carros, nos smartphones, em supermercados, nas farmácias, do agronegócio ao setor financeiro.

Trump e Lula têm ideias opostas sobre democracia, mudanças climáticas, regulação digital ou geopolítica. Por ironia, o que mais os aproxima são crenças econômicas equivocadas em temas como protecionismo ou autonomia do Banco Central. Mas os dois só teriam a ganhar com uma conversa que pusesse fim à pior crise entre os dois países.

Eventuais “vitórias” americanas não necessariamente seriam “derrotas” brasileiras. Consumidores aqui se beneficiariam de maior abertura comercial. Investimentos na exploração de terras-raras que incluam refino, com transferência de tecnologia, também seriam vantajosos.

A compra de armamentos americanos tornaria as Forças Armadas mais eficientes. Novas fábricas da Embraer ou da JBS nos Estados Unidos abririam espaço à expansão do capital brasileiro.

Há também temas delicados, como a regulação das redes sociais ou da inteligência artificial. Trump tem sido irredutível na defesa dos interesses das plataformas digitais mundo afora. Foi convencido por bolsonaristas de que, no Brasil, elas estão submetidas à censura do Supremo — uma acusação estapafúrdia.

Caso o assunto venha à tona na conversa, Lula deve reiterar que os Poderes no Brasil são independentes e lembrar que decisões da Justiça devem ser respeitadas.

Faria bem em tentar evitar a todo custo que a discussão enverede para a condenação de Bolsonaro. Caso o tema seja incontornável, precisa se esforçar para explicar com serenidade e brevidade que o julgamento seguiu a lei, foi transparente e puniu crimes graves. Se conseguir, o Brasil sairá ganhando. (Opinião/jornal O Globo)

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