Sábado, 14 de junho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 13 de junho de 2025
“Regimes totalitários têm sempre muitas maneiras de se livrar de seus adversários”, diz a política de oposição russa Elvira Vikhareva. Ela fala com certo conhecimento de causa. Crítica do governo de Vladimir Putin e da invasão russa da Ucrânia, em 2023 Vikhareva foi intoxicada com sais de metais pesados, num ataque do qual até hoje não se recuperou completamente.
Em um país com histórico de casos de envenenamento de desafetos do governo, a suspeita imediata obviamente recaiu sobre o governo Putin.
“A lista de assassinatos por encomenda de jornalistas, ativistas de direitos humanos e políticos ao longo das décadas do regime criminoso de Putin é colossal. Todos os métodos listados são bastante bem-sucedidos para as autoridades e têm as consequências desejadas: o dissidente desaparece (morre ou fica incapacitado) e interrompe sua atividade política no território do país. A segunda consequência é de longo prazo e tem fins pedagógicos, para intimidação da sociedade”, diz ela.
Entre os adversários mais conhecidos de Putin que tiveram um final trágico estão Boris Nemtsov, assassinado em 2015 com quatro tiros a poucos metros do Kremlin, e Alexei Navalny, principal opositor do presidente russo, que morreu no ano passado numa prisão, quatro anos após ter escapado de um envenenamento, também atribuído ao Kremlin. Estima-se que haja ao menos 1.500 prisioneiros políticos na Rússia hoje, mas segundo ativistas a cifra real pode ser até três vezes maior.
Segundo ela, o ambiente de supressão política na Rússia reduziu drasticamente o espaço para manifestações públicas de divergência com a linha oficial, principalmente desde a guerra deflagrada pelo Kremlin na Ucrânia, em fevereiro de 2022. Dezenas de pessoas foram sentenciadas nos últimos anos, acusadas de serem “agentes estrangeiros”. A escalada de repressão, na prática, transformou em crime fazer críticas à guerra.
Muitos decidiram partir. Os políticos de oposição que ficaram tinham três opções, diz Vikhareva. A mais simples e banal era ficar calados. A segunda era sair do país. A terceira era manter a atividade política “pisando em ovos, sem espaço para disputa política, num país em que as autoridades são apontadas, e não eleitas pela sociedade”.
“Escolhi a terceira opção. Decidi ficar para manter o diálogo com quem vive na Rússia. Não podia perder o contato com quem sofre essa catástrofe a meu lado. Estou convencida de que a maioria da sociedade russa é contra a guerra, mas em silêncio. Quem diz ‘não’ paga caro na Rússia. No mínimo é classificado de “agente estrangeiro” e perde todos os direitos. No máximo, a prisão ou a morte num centro de detenção, sem julgamento”, afirma.
Muitos foram forçados a partir. Natalia Arno, presidente da Fundação Rússia Livre, não volta ao país há mais de uma década. Por seu ativismo pró-democracia, em 2012 recebeu um ultimato dos serviços de segurança de que tinha 48 horas para deixar o país, ou corria o risco de pegar 20 anos de prisão. Hoje, o grupo que atua em defesa da democracia na Rússia tem centros em 19 cidades do mundo, mas não em seu país natal. Arno reconhece que o impacto para ativistas que decidiram ficar no país como Vikhareva é limitado pela repressão, mas ainda assim importante pelo esforço de promover ações coletivas.
“Não acredito nos altos índices de aprovação de Putin que as pesquisas indicam. Numa ditadura, as pessoas não dizem a verdade. A Rússia é hoje um dos países do mundo onde mais se baixa o VPN [redes privadas virtuais, usadas para acessar sites bloqueados]. Isso mostra que muita gente está tentando escapar da censura para saber a verdade”, diz Arno, que também foi vítima de envenenamento em 2023.
No caso de Elvira Vikhareva, de 35 anos, a militância política primeiro a levou a tentar, em 2021, uma vaga na Duma (Câmara dos deputados), mas sua candidatura foi barrada por decisão judicial. Ainda assim, ela manteve seu ativismo, indo de porta em porta para manifestar-se na sua vizinhança contra a campanha militar da Rússia na Ucrânia.
A intoxicação, em 2023, por uma substância cancerígena desconhecida foi o sinal de que começava a incomodar demais. Entre os sintomas, dores de estômago severas, batimento cardíaco acelerado, dormência nas extremidades, espasmos musculares, desmaios e perda de cabelo. Com a aparência afetada, deixou de aparecer em público.
“Infelizmente, até hoje não pude ter uma reabilitação completa devido a uma série de fatores. O estado crítico de minha saúde, a impossibilidade de um exame competente, a dificuldade de ter um diagnóstico claro, tudo isso é evidência direta, com alto grau de probabilidade, de que foi um envenenamento deliberado com substâncias que não podem ser detectadas por laboratórios convencionais.” (Com informações do jornal O Globo)