Sexta-feira, 19 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 19 de dezembro de 2025
No início deste mês, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que pretendia submeter a reforma administrativa diretamente ao plenário, sem passar pelas comissões, para acelerar seu andamento na Casa. A proposta foi protocolada no fim de outubro, mas ainda não começou a tramitar. Destravá-la, no entanto, depende apenas de um despacho do próprio Motta, que considera a reforma uma das prioridades de seu mandato.
Quem não está familiarizado com os ritos do Legislativo provavelmente enxergará alguma incoerência entre a fala e as ações do presidente da Câmara, mas uma reportagem publicada pelo Estadão na semana passada ajuda a explicar a razão desse aparente contrassenso. Entre os deputados federais, somente 78, ou 15,2% do total, se declararam abertamente favoráveis à reforma, enquanto 134, ou 26,1%, disseram ser contrários à proposta.
Todos os 513 deputados foram consultados ao longo do mês passado, por telefone, e-mail, assessoria de imprensa e também presencialmente no Congresso e em eventos públicos. A despeito disso, mais da metade deles não quis responder ou não deu retorno à reportagem, o que diz muito sobre as reais chances de aprovação da reforma.
Por ser uma proposta de emenda à Constituição (PEC), ela precisa de maioria qualificada para ser aprovada – ou 308 votos. Se o texto começasse a tramitar sem que mais apoios estivessem garantidos, sessões esvaziadas deixariam ainda mais clara a falta de interesse dos parlamentares para tratar do assunto neste momento, uma desmoralização para Motta perante seus pares e a sociedade.
Faltando menos de um ano para as próximas eleições, nenhum parlamentar, a não ser os que se identificam com o campo político da direita, vai arriscar a chance de perder algum voto por apoiar um tema tão espinhoso e impopular. A pressão de associações de servidores públicos também tem produzido efeitos. Ao menos 30 deputados que haviam manifestado apoio à PEC pediram para que suas assinaturas fossem retiradas da proposta.
Impor limites aos supersalários é um pouco mais palatável aos deputados, mas tampouco há apoio suficiente para aprovar apenas essa medida. Entre os 513 deputados, 217 disseram ser a favor da extinção das remunerações que superem o teto remuneratório do funcionalismo público, que corresponde a R$ 46.366,19, salário pago a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas mesmo entre os deputados do PT esse apoio não é unânime. Embora integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva se digam favoráveis ao fim dos supersalários, nenhum ministro declarou apoio formal ao texto da Câmara, apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). É puro cálculo político, pois, afinal, o governo, no fundo, nunca quis uma reforma administrativa – nem ampla nem modesta – e vê nos servidores públicos e funcionários de estatais um relevante ativo eleitoral.
De certa forma, seria até hipocrisia se o Executivo se colocasse contra os penduricalhos que engordam os salários do Judiciário e do Ministério Público. Afinal, a profusão de pretensas verbas indenizatórias tem sido uma verdadeira inspiração para as carreiras do topo do funcionalismo público do Executivo, como os auditores da Receita Federal e os membros da Advocacia-Geral da União (AGU).
Esses privilégios alcançam poucos, mas contribuem para manchar a imagem da maioria dos servidores junto à população. Apenas 1,34% dos funcionários públicos ativos e inativos recebe mais que o teto, de acordo com estudo conduzido pelo Movimento Pessoas à Frente e pela República.org.
São apenas 53,5 mil pessoas em um universo de mais de 4 milhões, mas, juntos, eles consumiram nada menos que R$ 20 bilhões entre agosto de 2024 e julho deste ano. Não por acaso, eles integram carreiras que estão entre as mais bem articuladas e com maior poder de influência em Brasília, inclusive no Congresso.
Na melhor das hipóteses, a reforma administrativa ficará para 2027; na pior, ficará para depois. Até lá, o Estado brasileiro continuará a ser uma máquina de reprodução de desigualdades, mazela que não parece comover nem os deputados nem o governo Lula. (Opinião/O Estado de S. Paulo)