Quarta-feira, 09 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 1 de maio de 2022
Com a experiência de quase dez anos como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Cezar Peluso afirma que a solução para a tensão criada entre os Poderes após o perdão concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) virá com o tempo, quando as paixões políticas derem lugar à racionalidade. Ele diz ser responsabilidade dos chefes de cada instituição manter a boa relação, pois “o país não pode ser governado sem um ajuste entre os três Poderes”.
Para ele, as crises permanentes têm como consequência o “desprestígio para as instituições” e, a longo prazo, alimentam um risco de ruptura constitucional e institucional que podem ser “terríveis”:
“A gente sabe que fora do esquadro do estado democrático de direito, nada é muito bom para o ser humano. A História mostra bem isso”.
Veja os principais pontos da entrevista com o ministro aposentado.
1. A quem compete preservar a relação de equilíbrio entre o Judiciário e o Executivo? A harmonia entre os Poderes, não à toa, é uma previsão constitucional pela razão óbvia de que sem isso não podem funcionar. E, evidentemente, o país não pode ser governado sem um ajuste entre os três Poderes. Todos eles têm esse dever jurídico e constitucional. A responsabilidade recai exatamente sobre os agentes responsáveis de cada Poder, que respondem pela preservação desse equilíbrio e, eventualmente, também pela quebra desse equilíbrio.
2. Nesse caso, qual é a saída? Se forem atos meramente políticos, sem consequências jurídicas, o que acontece é que a solução fica delegada para o plano puramente político. Convencer cada ator político a tomar uma medida que solucione o conflito. Quando o problema extravasa a arena política, os responsáveis devem zelar pela manutenção da ordem jurídica, que façam o que está previsto na Constituição. É assim que se retoma o equilíbrio quebrado por um dos agentes dos Poderes.
3. No caso da crise envolvendo o deputado Daniel Silveira, o senhor vê solução para pacificar a relação entre Executivo e Judiciário? O grande fator de solução menos traumática é o tempo. Há um momento de grande exacerbação, quando as paixões são ativadas, de reações irracionais… As pessoas são assim mesmo. A gente, às vezes, não é mais conduzido por uma forma racional de se comportar, a gente deixa extravasar paixão. Mas isso não pode persistir indefinidamente porque seria sintoma de distúrbio psíquico sério. A tendência é que, deixando passar um pouco o tempo, essas reações exacerbadas tendem a se acomodar, e a gente faz muita força para que isso venha a acontecer.
4. Mas o tempo tem funcionado na Praça dos Três Poderes? O que eu acredito não é que uma nova crise não possa ocorrer, mas que a atual pode, com o tempo e com a tomada de medidas que estão na Constituição, ser superada.
5. Quais são as consequências do constante embate entre o presidente da República e ministros do Supremo? Para ser otimista, são de desprestígio para as instituições. E isso não é bom. Porque a sociedade tem que confiar nas instituições, nos Poderes. Esse desprestígio é ruim e interfere na capacidade que os Poderes têm de contar com apoio popular para as medidas que tomam, mantendo uma certa tranquilidade na vida nacional. Claro que a vida política nacional não existe sem conflitos. Isso faz parte da vida democrática.
6. Que tipo de danos a repetição de crises pode gerar à estabilidade democrática? O que me parece perigoso é que essas crises sejam exacerbadas a ponto de pôr em risco a ordem constitucional. É o receio de que, se essas crises não forem contidas, um pouco mais para a frente, cheguemos a uma situação de ruptura constitucional e institucional. Essas consequências seriam terríveis. Sabemos que fora do esquadro do estado democrático de direito, nada é muito bom para o ser humano. A História mostra bem isso.
7. O indulto concedido por Bolsonaro a Daniel Silveira, após o deputado ser condenado pelo STF, colocou a Corte em uma posição delicada? O Supremo tem que assumir os deveres e pronunciamentos de acordo com as regras constitucionais, que é a função dele. O STF não tem alternativa. Sua única reação é cumprir sua função de guardião da Constituição. O resto são consequências político-eleitorais, manifestações eleitorais e que, do meu ponto de vista, o STF não pode se deixar levar. O Supremo não pode falhar na sua missão constitucional.
8. Como o senhor avalia ameaças do chefe do Executivo de que não cumprirá determinações do Supremo? Significa um excesso retórico de épocas eleitorais, não mais do que isso. Porque eu não posso acreditar que o presidente da República vá cometer crime de responsabilidade, atentando contra a segurança interna e contra o cumprimento de decisões judiciais.